Quatro Poemas de Luis Eduardo
Luis Eduardo Campagnoli vive entre Rio de Janeiro e São Paulo. É skatista; e mestre em Teoria Literária pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com dissertação sobre João Guimarães Rosa.
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À venda
A deambulação com o diabo
Montado à corcova do homem
Embora a secura do chão batido
Embora o apoio no bordão de Deus
O atrasava e pressionava ainda
Mais para que rompessem de vez
As fés e as rachas das solas
Que é de onde emana todo
O tremor a que o mundo poderia
Renunciar, uma catinga só
Detida pelas galochas borrachentas.
Como a cenoura à frente do burrico
Sua alma.
Perguntando-lhe aonde vai
Se à roça se à comadre se à
Responde que ao inferno entregar
Este prejuízo e receber o prometido
À venda ver a mulher à espera
Do caixeiro e na falta do caixeiro
Talvez quem sabe o veja ao invés.
Seu Joaquim Maria contou
A história truna, trina e una
Na qual recai a inércia moral sobre
Clara e esta acaba por passar vinte
Horas numa cama com o pensamento
Em coisa nenhuma.
como quem fala
Acabei de compor um relatório
E prestar contas a um órgão
De pesquisa do governo.
Minha coluna como a de Gógol
Pode ser agarrada pela barriga
Mas no meu caso só se as garras
Agirem com violência colossal.
Os que a venham agarrar finalmente
Notarão que ela se dobra em >
E mesmo assim não é maior
Nem dá indícios dos meus cálculos.
O último poema que escrevi aqui
Se é que poema isso se chama
Descreveu um diabo em montaria
Às costas do homem de pés com frestas
Os quais fiquei sabendo
Fazem festas com a cabeça e os sonhos
Está tudo mudado e o mato
Volta a pegar viço e fogo
E o que está de botas esporas
Maldade sobre mim
É também um diabo
Do cansaço e da miséria.
A serra em que vivo forma
Como bem quer meus ângulos
Minhas espaldas minha tortuosidade
Desse jeito não haverá pernas
Para que me corram deste ser
Que vive em bandos de cinquenta
Destrói plantações inteiras
De primaveras e anos inteiros
Atravessa farpas sem as tocar
Sem por elas ter o couro rasgado
As cerdas ao chão arfando
Por baixo cavuca a terra
A come geofágico brutal
Já é praga a criação de Deus
E sua caçada está permitida.
Falo do javaporco como quem fala
Do homem.
do fim.
O caixãozinho abriu-se. Percebemos
Que a catacumba era uma mulher
Como nós de onde escapam todos
Os ossos da loucura do desgosto de um
Certo pesar assim como também os ver-
Mes com suas penúrias injúrias famintos.
Deparando com espanto o triste episódio
Que logo em riste ódio se tornou e serviu
De arma alabarda contra pátrias arcas as
Mais guardadas fortunas acúmulos sinas
Estouramos crebas guerras garras em pomos
Adâmicos e todos os que engalhados estavam.
A entidade barulho horrenda pousou
Estranhíssima sua ampulheta sobre a mesa
Raciocinou que o expediente chegava senão
Ao pelos menos perto do fim. Fechou
A maleta com todas as notas os protó-
Tipos. De dez canetas para escrever futuros
Representar passados guardou uma apenas
Mas a mais afiada que decerto quebraria.
Deu-se então o vislumbre do silêncio
Com cujas cores todas se pinta a paz
O qual durou pouco por causa da criança
Que saía daquele sepulcro feminino.
Nada era senão um nascimento.
Adendo: gatinha
Este ser humano chamado Princesa
Ervilha faz uns meses caiu de trinta
Metros ou qualquer coisa assim
E mais do que certo que morreria
Claro uma alturona daquela
Hoje contra essa certeza
Ela está viva muito viva
Come dorme ronca e sonha
De escrever dissertações ela parou
Duas já é o bastante poxa chega
Caminha lindamente corre caça
Porém quando chega ao ápice
Para abocanhar a jugular da galinha
Do beija-flor dos besouros e das formiguinhas
Ela empaca para como quem não sabe
O poder de matança que tem
Em suas presas afiadíssimas
As quais não cortamos mais
E nossos pulsos com as brincadeiras
Acabam ficando todos retalhados
Nos fazendo parecer adolescentes
Querendo tirar com navalhas a vida
Sendo que o melhor que pode um vivo
É viver disse o Ailton Krenak
E com ele eu concordo
E digo nossa ainda bem
Que a Princesa Ervilha está entre nós
Dormindo entre as pernas os sonhos
Comendo sachê e se espreguiçando
Pelo matagal de olho no fogaréu
Da lareira e das paixões.
José Tadeu Gobbi
Bravos, Eduardo.