Quatro poemas de Marcelo Frota
Marcelo Frota é professor, formado em Língua Inglesa e Literatura pela Unijuí, tradutor, crítico literário e cinematográfico. Nascido no Rio Grande do Sul em 1979, é apaixonado por cinema, literatura e música e tem apreço especial pelo jazz e pelo blues, sem deixar de lado o rock clássico e a chanson francesa. Se considera um cinéfilo devoto e apaixonado pelo cinema europeu, americano, latino-americano e brasileiro. No seu coração literário, os espaços são ocupados por autores que vão de Shakespeare a Saramago, sem nunca abandonar os romances policiais baratos, a ficção científica e a poesia marginal. Estreou na literatura com Compilação poética das margens em 2016 e está lançando esse ano O sul de lugar nenhum pela Editora Penalux, do qual fazem parte os poemas abaixo.
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A Love Song for Leonard Cohen
Nessa silenciosa, bucólica tarde invernal
O vento inóspito prenuncia a tempestade feroz, e traz
Consigo uma música longínqua, música da memória
Um despertar da hipnose cotidiana, resgate
Abrupto de um transe ora confortável , ora bestial
A fuga, nessa melancólica tarde cortante
Sacia os cômodos abstratos da mente, cômodos onde
Anfetaminas roubadas e uísque barato não mais
Entorpecem os olhos do horror, não mais
Nublam as lembranças dos dias alegres
Esse desentorpecer do transe da tarde
Ressuscita Songs from a Room do limbo, volto (eu)
A segurar Leonard Cohen como um crucifixo, (sou)
Sua Marianne de óculos, barba e desespero
Um quarto qualquer no Chelsea Hotel
Escolho celebrar-te assim no tempo
Nobre bêbado bardo trovador acústico, poeta
Profeta do caos elegante, do fedora nas têmporas grisalhas
Dos cigarros amassados nos bolsos bem cortados
Eternos são teus versos, em vinil gravados.
*
Amar é cortar os pulsos com lâmina cega
Uma garrafa de vinho vazia
E outra
Pela metade e a noite
Se esvai fria entre a trilha instrumental
De Kristin Asbjørnsen para Factotum
E a voz de Jane Birkin para as canções
De Gainsbourg.
A música é refúgio caloroso
Para a solidão perpétua
Nada atinge a carne como o desejo
Não realizado de um corpo
Nu entre paredes e janelas e estrelas
Não há corpo nem possibilidades
Nem o suicídio é hipótese.
A noite avança a medida
Que a garrafa esvazia, mas ela tem amigas
Outras garrafas cheias
Aguardam o desespero das horas
Esperam deitadas que a histeria da mente
Se torne insuportável, que o eletrochoque
Líquido venha desmaiar o louco que grita
“Amar é cortar os pulsos com lâmina cega.”
Jane sussurra entre imagens de Bergman e Allen
Imagens trazidas pela familiaridade do desespero
Conjugo verbos entre cenas cinematográficas
Que só o cérebro frenético projeta
Entre chanson e álcool e filmes suecos
E silêncio
O sono não é escolha nem proteção
É cadeira elétrica, injeção letal e abraço de mãe.
*
Almost Blue
Acendo um cigarro de olhos fechados
O movimento mecânico do corpo eleva
A sensação de pertencer ao tempo presente
A tragada não agride o céu da boca
Nem desce seca tomando garganta e pulmões
A nicotina é vida quente nesse corpo entorpecido
Seguro a fumaça doce mentalmente acompanhando
Os compassos de Almost Blue enquanto Chet declama
Versos de agonizante melancolia harmônica
Solto o ar e a fumaça assume seu lugar na sala
Entre sofás e discos e livros e cinzeiros a fumaça é a casa
A lembrança da morte impregnada no que compõem a vida
Almost Blue consola meus ouvidos enquanto consumo
O que me consome e componho versos que nada são
Além do retrato de uma vida embalada pelo quase triste.
*
Do Amor
Do seu amor sobrou o vento
Uma sucessão de cômodos vazios
Um emaranhado de cabos de conexão
Livros, espalhados pelo chão
Do meu amor sobrou o sangue
As ataduras caseiras nos pulsos
O vômito no mármore da cozinha
Filmes, em preto e branco na TV
Do nosso amor nasceu o silêncio
Um crescente acorde do não dizer
Uma filosofia covarde do protelar
Um vinil raro, tocado no mudo.
Regiane moutinho
Nossa, que horrível, só clichÊ. E vamos assumir: esse lugar-comum de bar sujo e escuro, bebida barata, mulheres ruins, já está bem batido.