Quatro poemas de Maria Eduarda Rodrigues
Maria Eduarda Rodrigues tem 20 anos, é estudante de Letras na Universidade Federal do Triângulo Mineiro e, também, poeta. Foi uma das ganhadoras do CNNE (Concurso Nacional Novos Escritores) e publicada na antologia Nova Poesia.
Além disso, publicou em revistas literárias e se encontra com seu livro pelo menos no Inferno alguém me amou no prelo.
***
jogue-me às mulheres
e sairei cirandando com elas.
abraçarei as santas, as troianas, as bruxas
as pretas as brancas
– deixadas ao estupro.
tentarei deixar a mim mesma
pra que eu seja de cada uma delas,
aterrissando a palma de minha mão quente
sob o seu pulso
firme.
regurgitarei o choro que em mim estava morto
– mas que agora nelas está vivo,
e cantarei o samba de meu luto.
clamarei por todas as Marias
– a flor perdida
vingarei sua dor, não mais cerrarei
os olhos.
serei sólida, concisa, permanente
tal qual Jesus, só que agora
Maria.
mais forte que Jesus, agora serei Maria.
*
cresci aprendendo a não fugir do Inferno,
nunca desloquei os meus olhos daquilo que
com a força de um canhão intempestivo
me fazia caminhar.
foi assim, bem devagarinho, que aprendi a me debruçar
sobre a dor e aceitar que o pernicioso, o lado arredio,
a solidão
são consequências do pão que eu mesma amassei,
porque deus nunca me amou.
não há ebúrneos na terra onde germinei
nem miragens bonitas, não há pássaros
nem canções de ninar, não há recomeços
não há motivos para cantar, mas há ar,
há respiração, mesmo que gauche, há vida.
e com os olhos coléricos eu aceito o fim,
pois se de mim o Diabo quer vida,
eu hei de respirar, respirar, respirar e
ser gauche três vezes mais,
que é pra provar que, pelo menos no Inferno,
alguém me amou.
*
pegar um adulto
e colocá-lo na palma das mãos
feito um animalzinho, pequeno,
que a gente encontra num viaduto.
massageá-lo com os dedos,
ninar feito crianças e pô-lo
a dormir, exatamente como
fazemos com as crianças.
olhar nos olhos e entender que
o sublime também merece
atenção.
entender que no percurso da lágrima
(que sai do canal lacrimal e
chega até o queixo, a língua dentro da
boca)
existe uma história.
saber que podem tirar tudo desse adulto:
a dignidade
o dinheiro
a saúde
o amor
até mesmo os sonhos,
mas não podem tirar seu choro.
e para a dor, não há renúncias.
por isso, é preciso pegar esse adulto e
colocá-lo na palma das
mãos,
ornamentá-lo no colo, entender
suas cicatrizes,
seu decoro (ou a falta dele) e
mostrar que podem lhe tirar tudo,
menos o maior: o direito ao choro.
*
com um estrondo me fecho numa basílica de cruz latina
remeto-me aos sacrilégios dos cachorros mortos, da goela esgarçada,
do remoto sentido das frutas secas, do olhar obsceno, das janelas abertas.
fecho-me com os olhos encachoeirados e regurgito a criança seca
violada e triste que vive em mim.
o diabo, a partir de então, com seus estrumes, suas podridões,
seus pecados, mas também com seus olhos claros, seu abraço quente,
renasce em mim e me faz queimar na basílica onde até Portinari passou.
é que sou podre feito Satã e sinto minhas entranhas deteriorarem com os viços,
os gritos, os choros apunhalados pelas costas.
vejo os seus olhos ebúrneos, seus lábios sem carne, seus braços compridos
e como se me fosse destinada a morte logo em minha triste infância,
eu cedo ao pecado de somente querer amar aquilo que a mim
sempre pertenceu: o Inferno.