Quatro poemas de Maria Luiza Machado
Maria Luiza Machado é baiana de 1995, nascida em Feira de Santana, habitante da capital Salvador há 7 anos. Publicou seu primeiro livro, Algumas Histórias sobre a Falta (edição da autora) em 2018 e, no ano seguinte, Todos os Nós, (editora Penalux, 2019). Idealizou, curou e organizou a antologia Corpo que Queima, que reuniu 41 poetas baianas também em 2019. É idealizadora e editora da Mormaço Editorial. Seu terceiro livro, Tantas que Aqui Passaram, está prestes a ser lançado com o selo de sua editora.
***
Não me ensinaram
quantas vezes
quantas vezes mais
os gânglios da garganta
precisarão acordar
inchados
junto com o corpo quente
apesar do mais sofisticado dos termômetros
apontar a temperatura ideal
pergunto,
a quem estiver ouvindo
enquanto me olho no espelho
para me acostumar
com os movimentos dos meus lábios
e o som que entrará em meus ouvidos
repito até o dia em que conseguir pronunciar
sem maiores esforços ou culpas
muito menos melancolias posteriores
um simples e sonoro
não
não
não
não
não
repetir mais 3 séries de 15
*
Eu tenho escápulas
são ossos
ou músculos
ou cartilagens
– na verdade
eu não entendo nada
de anatomia –
que me parecem umas asas
nas costas
só descobri que as tinha
há algumas semanas
quando me atrevi
a me vasculhar
frente a um espelho
eu tenho medo de espelhos
os evito desde que
por causa deles achei
umas muitas linhas brancas na barriga
e furos enormes nas coxas
mas gostei de descobrir minhas asas
olho como se movimentam
dependendo do que faço com os braços
imagino agora
qual forma
devem estar tendo
enquanto escrevo sobre meu reflexo
por tanto inominável
por tanto tempo nunca chamado
de
meu corpo
*
JENIFER
não sabia que seria preciso
explicar para o mundo
que naquele momento
só queria definhar em seu silêncio
sem ouvir teorias a respeito
do que ainda nem se sabe como
mas aconteceu
só quero morrer em seu próprio silêncio
dizia
e não se importava mais em saber o motivo
para toda essa gente achar
que a falta de palavras ou ruídos
era algo tão ruim
silêncio é silêncio
é o que é pedido em templos
igrejas
bibliotecas
laboratórios
em todos os lugares em que são necessários
alguns minutos
no mínimo
de contemplação
só queria contemplar a si mesma
diante do que tinha se aberto em sua frente
e ainda não sabia como trancar de volta
*
Burro de carga
voltei a pensar sobre aquela época.
e concluí que teus braços é que devem ser
finos e fracos demais
pra segurar
qualquer uma
das coisas
eu te entregava.
entendo que minhas palavras talvez pesem muito
quando quero que assim sejam
– pesadas,
quentes
como uma grossa barra de ferro
com um símbolo na ponta pra te marcar -,
mas tenho a certeza de que
estas nunca nem foram ouvidas,
quem dirá carregadas
por esses teus braços,
finos.
mas as leves também nunca foram.
nada
nunca foi carregado,
enquanto por essas bandas
eu andava com as costas curvadas de tanto peso.
ainda que alegres e brilhantes e bonitas e chamativas,
minhas palavras
você não as via.
não as ouvia.
não as levava para canto algum.
as deixava numa lacuna de metros
que sempre existiu nesse entre-corpos.
teus braços é que devem ser finos e fracos
ainda penso,
enquanto tudo que por mim foi dito e feito,
foi jogado
naquele limbo
magicamente construído
mas só por mim mexido,
cuidado, e limpo.
nunca por você
acessado.