Quatro poemas de Mônica Dias
Mônica Dias tem 32 anos, é formada em direito, graduanda em artes visuais e fotógrafa. Tem a escrita, desde pequena, como um instrumento de sobrevivência.
***
O exoesqueleto
Queria ter pra quando alguém pisasse
Fazer crec
Que ia doer, mas dor gostosa
Como estalar o dedo
Ou as costas
Você me aperta contra a parede, crec
Doeu mas foi bom
Você pisa minha barriga depois minha cara Crec
Crec – alguém me mastiga biscoito água e sal Dói mas tem alivio
Uma afliçãozinha
Um puxar o ar entre os dentes
De agonia ou gozo
Ou os dois
Pode acontecer de quebrar também
Mas quando quebra o exoesqueleto morre de uma vez Casca de noz na dobradiça da porta
crec
Despedaça
Seria melhor
Porque eu, feita desse material mole e insosso Sem estalo sem nada
Não tem prazer
Só dói mesmo
Sem graça
*
Constatei estar aplicando ditados populares no trato com as pessoas
Deixando de aplicar, no caso
Mas lembrando da moral:
“Cavalo dado não se olha os dentes”
Foi o que me ocorreu quando ela sorriu e
me flagrei por um segundo
Analisando sua arcada dentária
Não testemunhando seu sorriso
Que era lindo, mas isso
só percebi depois.
*
Passar o carro na frente dos bois
E depois desesperar
Vendo o carro ir desgovernado
Ladeira abaixo
Enquanto os bois pastam
E assistem
Com ar de quem mandou
*
O dia todo foi muito estranho
Abri os olhos, fiz que ia cuidar de afazeres, mas no fundo sabia que não Mesmo assim me contei a mentira muitas vezes e todas as vezes acreditei Até ser obrigada a admitir que o dia começou sem mim e eu não voltaria tão cedo.
Reparo: tenho mesmo flertado com essa porta há uns dias
Tenho olhado pela fechadura
E por que não abrir um pouco
Só uma fresta
Só para sentir o ar do outro lado
Esse bafo de sons agitados
Me inebriou um pouco, só um pouco
Observo longamente esse conhecido rio turvo
Me aproximo
Quero testar a água, só as pontas dos dedos, depois da língua quem sabe Desequilibro
Experimento a vertigem do corpo que perde o controle de si e procura recuperá-lo abanando os membros e se contorcendo –
essa dança de alguns segundos que vem depois do tropeço
faço isso a tarde inteira
fico presa nesses segundos por horas
Volto.
Não achei que ia conseguir, mas volto
Foi quase.
Me reencontro comigo na cama.
Levanto, abro a janela, sinto um cheiro de queimado.
Alguma coisa ferveu demais, queimou por inteiro, ou talvez só as pontas. Penso que pode ser eu.
Enfim
Começo o dia