Quatro poemas de Nuno Rau
Nuno Rau, arquiteto, professor de história da arte, tem poemas em Cronópios, Germina, Sibila, Zunai, Diversos e Afins, RelevO e nas antologias Desvio para o vermelho, do Centro Cultural São Paulo, Escriptonita, que co-organizou, e 29 de Abril: o verso da violência. Publicou o livro Mecânica Aplicada (2017), poemas, livro finalista no 3º Prêmio Rio de Literatura e no 60º Prêmio Jabuti. É co-editor da revista mallarmargens.com
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outro soneto?
e no entanto o soneto se equilibra
sobre o milímetro nenhum de um pixel,
dança na tela preta que imita
sombras mais do que arcaicas e – que incrível! –
ainda tão reais que este canto
levam ao epicentro que perversa-
mente ilude o poeta querendo tanto
os píncaros da glória em sua conversa
com as Musas todas cegas pelas águas
profundas de um mar poluído e não
só isso, isquêmicas e quase ágrafas
pela rarefação do ar no vão
dos altos picos gritam do Everest:
“relaxa, ô chapa, enrabatum est.”
*
tradicção turística (tríptico)
a Janus Vitalis, que começou isso,
e a Nelson Ascher, que o traduziu
1.
turista que, chegando agora a Roma,
deslumbrado e banal, vem à procura
da imagem do cartão postal, ou de uma
Roma que nada tem daquela Roma
que Virgílio cantou, se apressa e toma
o trem até a Termini, e, em suma,
a Via dei Condotti, sem nas ruas
nada reparar, alcança a pé: Roma
nada mais é que isso, uma vitrine
de Gucci, Prada, Valentino, Armani;
perder tempo pra ver o Borromini
de San Carlino alle Quattro Fontane?
Por que, se o Tibre flui ignorado
e ignorante até do seu passado?
*
2.
lendo um guia turístico de Roma
comprado na bookstore do Galeão,
e sabendo agora que Michelângelo
pintou os tetos da Sistina, Roma,
que não supõe o quanto em si se outona,
embasa digressões na reunião
da trading, mas saiba, viajante, não
é a Roma do seu guia a vera Roma
e o verniz não é coisa que mantenha
o rumo na sua busca de sucesso,
liderança, influência nos processos,
nem sua gravata Ermenegildo Zegna,
porque beber do Tibre não lhe deu
nenhum passado pra chamar de seu.
*
3.
seu silicone vai fazer, em Roma,
o sucesso absoluto dos seios
que tanto beijei, os meus lábios leigos
na língua de Ariosto, que esta Roma
não venera como o faz às madonas
prontas para o deleite e o torpor,
colombianas, venezuelanas, por-
tenhas, brasileiras que estando em Roma
não verão muito mais do que os lençóis
de onde você me escreveu que ‘os gringos
não sabem fuder’, enquanto – no limbo
da Roma que Roma não é – faróis
luzem no Tibre, onde você, ardente,
faz o seu ponto, provisoriamente.