Quatro poemas de Rodrigo Camargo
Rodrigo Camargo é compositor de música de concerto formado pela UFRJ em 2020. Atualmente aguarda para começar um mestrado em composição no exterior. É o criador e apresentador do podcast Sala de Música UFRJ. Recentemente começou a sentir uma vontade irresistível de escrever poesia.
contato: rodrigo.camargo1056@gmail.com
***
II
Mare mer
mère Maria
A língua latina não falha
Deixa bem claro que
a mulher é água marítima
E eu
apenas um humilde
aprendiz de escafandrista.
*
Versos Emprestados
à Julia
Acho difícil escrever sobre amor
Temo exagerar no pathos e soar brega,
irrelevante e amador
Ou tentar em versos descrever
– entre muita natureza-morta
e simbolismos démodé,
tudo aquilo que de cor
você já deve saber.
Entretanto
pode ter certeza
de que sempre ao ler
Pessoa, Vinícius, Neruda,
Drummond ou até mesmo Mallarmé
Não penso noutra coisa
Que não seja roubar
os versos deles pra você.
*
XVI
Olhando para fora imploro
aos céus mais ressentidos por uma
tormenta vertiginosa que quebre as portas
e arrebente as esquadrias das janelas, arrase
o concreto do teto e do chão, pulverize as
paredes que sustentam este abrigo infame e
que um raio desgovernado me cuspa aos
escombros dessa asséptica e comedida realidade
de ângulos retos que um dia construí ao meu redor.
Em contrapartida, peço que me deixe
com um pouquinho de sono, um pouquinho
de sono por favor e as pálpebras intactas
as pálpebras intactas para poder agora
sonhar de olhos fechados, de olhos fechados
sobre a terra úmida e sob o ar gentil que
lentamente afaga meu rosto espantado.
*
XVIII
Noite após noite
minha mãe fotografa a lua.
Como se fosse a primeira vez
se encanta ao descobrir
noite após noite
o mesmo mistério hipnótico boiando
a ermo
no vácuo negro emoldurado pela janela da cozinha.
Já bateu mais de mil fotos
buscando aquela com o melhor
contorno geral e visibilidade das crateras.
Busca também, isso ela me falou,
conseguir captar a parte oculta pela sombra
quando se deixa mostrar timidamente
apenas um pedacinho do seu rosto
e lamenta a falta de colaboração celeste
que, como um assistente de mágico,
teima em estender – só para confundir
noite após noite
o preto véu das trevas
por detrás do preto véu da lua.