Quatro poemas de Rodrigo Lobo Damasceno
Rodrigo Lobo Damasceno nasceu em Feira de Santana (BA), em 1985, e vive em São Paulo desde 2011. Escreve poemas, contos, romances e ensaios. Às vezes, traduz. Junto com a artista Camila Hion, edita textos e imagens pelo selo treme~terra, onde atua também como artesão e feirante. Ao lado de Fabiano Calixto, Natália Agra e Tiago Guilherme Pinheiro, faz a revista de poesia Meteöro.
Os poemas fazem parte do Casa do Norte, livro de estreia de Rodrigo Lobo Damasceno, em pré-venda no site da Corsário-Satã: clique aqui para comprar o livro no site da editora.
***
Dois poemas do capitalismo tardio
1.
a devastação capitalista
ressaca
as horas-extras
as notícias circulando no sangue
hong kong
ponto de ônibus na avenida paulista
dois chapeiros nordestinos: ovídio e dante
beirute à beira da guerra
riquezas
colapsos financeiros
pinturas falsas e caras nas paredes brancas dos burgueses
poemas nos seus bolsos
o fim do mundo seguido da sobrevivência dos bancos
morrer feito o meu pai: pobre e sem descanso
2.
abandono
frio
nuvens cinzas
cinzas nos vasos das plantas
(sedentas)
skinheads neonazistas nas esquinas
(perto da augusta,
observam as ruas
abarrotadas por seus inimigos –
dante e ovídio sobem no ônibus
sob os olhares dos racistas)
fantasmas, zumbis e vampiros
a população motorizada de são paulo
as engrenagens enferrujadas
da paternidade
projetos pouco rentáveis
mais dinheiro numa avenida
do que folhas em todas as árvores da cidade
*
Paêbirú
El adivino se acuesta sobre un tejido de wik’uña para soñar
Cecilia Vicuña
a hora mais noturna da chapada
luzia sem diamantes –
só as suas estrelas
sobre as cabeças
de três sertanejas
sozinhas e lúcidas
(são das que comem
– com farinha –
a carne do sol
no meio da noite)
– seus couros cobertos por couros:
descansavam as costas
contra
três
cactos:
couros
de encontro aos espinhos
sobre a pedra (encantada),
perto da cobra (coral),
amigas do xique-xique
e da onça –
paradas
a caminho
da montanha
do sol
*
Undiú
para Fabiano
o nome do meu cão
a palavra que tatuei
no meu pulso
o apelido de minha namorada
o nome do barco
do meu grande
amigo
o termo tupi intraduzível
o evangelho
o oriki
a oração oriental
o som oculto do islã
o om
o meu maior segredo
a palavra mágica
o som rumoroso do rio são francisco correndo
o som rumoroso da flor do cânhamo se abrindo
o nome
indizível
de um deus
o assobio de um pássaro chamado
joão
o primeiro verso
do primeiro canto
da terra primeira
o nome do último tapuia
a morrer de velho
a estrela do norte
o sol
sobre cada
cabeça
a primeira palavra
falada
por
painho
depois de
sair
desta
vida
*
Bar Torquato Neto
para Gustavo
à beira do parnaíba, lá pra cima,
um vampiro, sozinho e bêbado, passeia por teresina
– triste nosferatu
nordestino
afeito
ao trópico –
seu grito faz eco no espaço aberto do viaduto do chá
sabemos que chove
e em são paulo
ninguém te dá
boas-vindas
mas a revolução
se chama nordeste
e é feroz
e infinita –
no coração machucado da anarquia,
pra além do comércio das almas
dos corpos
das armas
das drogas,
um galo canta
e tece e incendeia o dia,
e nas calçadas – agora –
(à beira das ruas
dos bares
e das revoltas),
dentro de nós
há de ser
o lado
de fora
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(Fotografia de Camila Hion [detalhe])