Quatro poemas de Tatiana Pequeno
Tatiana Pequeno nasceu em 1979, no Rio de Janeiro. Mora na zona norte, trabalha em Niterói, na UFF, como professora.
O poema “dani” integra o livro réplica das urtigas (2009), os demais são inéditos.
***
silente
não sei como deve ser fundar uma vila
chegar entre mata muito fechada ou
ir ao encontro da natureza inviolada
dos terrenos e das clareiras mais sagradas e puras do mundo
sei apenas dividir meu cabelo, partir o pouco pão a que tenho direito,
gastar a cor das sapatilhas com que ando
não sei
recuperar a luz dos dias mais bonitos
e escrevo neste lugar temente
de que de repente tudo finde
e nós não tenhamos testemunhado
quase nada sobre a beleza daquilo
que vimos e não pudemos guardar.
*
dani
O meu senhor estava
implícito no fim do verde
porque amante nunca
ela podia mais
uma pele alérgica com os
ossos vivos gêmeas de silêncio
selvageria.
Apenas no colchão um poço
de cavalos, os termos de deus
ela impedia o que nasceu
na primavera e para mim
pesado era o seu cabelo
a porção mais viva de um
azeite muito fino que me
escorria de verduras onde
se era estranha. habitante natural
em forma de líquido e ouro
sobre dois ventres contra
o interior das serras.
Por acaso o seu nome continha
uma fala, e de noite
os pés iluminavam de branco
a ardósia e a cisterna
para depositar o leite
assoprado a grito pela
ave de rapina:
voava porque a animalidade
era a causa leve de sua beleza
e sobre
o assentamento das matas
o pólen fixo nos meus dedos
na boca
ela
era.
*
um sol(o) todo seu
uma pessoa disse assim
você não devia se expor
tanto no facebook você
não tem medo das críticas
como assim vendeu bolo
na praia sanduíche gelado
atum tá falando sério maio
nese pois é mas li tb original
do rancière embora eu ache
hje um saco essa arrogância
francófona meus pés não tocam
muito bem o chão em itaipu
o mar aberto é um convite há
muitos anos e eu caminhava
no sol escaldante mais nova
tinha vinte anos tinha mais
enquanto fazia o doutorado e
perdi o emprego vinha uma nota
de cinco e eu olhava o mar fiz uma
promessa para ter um emprego
no mar do rio eu mais não entro
o mar me olhava eu me devolvia
catorze notas de cinco um domingo
às vezes o mar mesmo dava pé
mas de repente o lado de lá do
atlântico passou a fazer menos
sentido
o mar daqui ficou bravo pelo
abandono das oceanografias
insisti na promessa do santo
fico à míngua do sal do rio
e fui pra niterói depois de a
travessar a bahia
vendi pão com pasta de frango
e bolo amarelo de cenoura
leio tb monique wittig em inglês
passei a recusar alguns convites
insistentes e profundos demais
do mar
porque
quero mesmo é tomar casquinha
no verão e convidar minha mulher
pra tomar caipirinha enquanto
a brisa ameniza o sol do meio dia
no quengo de mulher que muito
trabalha.
não é sempre mas
em itaipu às vezes
dá pé.
*
uma vez, há muito tempo,
amei um homem
era um dia de neve longe
e em minha casa eu abria
um álbum sem fotografias.
quando amei este homem
a sua barba não parecia
cobre nem estanho
ele era suave como fruta
algo entre nêspera e água
movediço como o fim de
uma acertada paixão.
uma vez, há muito tempo,
amei um homem
e ele cabia inteiro no meu
olhar
e
mesmo sendo por ele amada
cabendo também eu em sua
palavra
o homem derreteu nossos
anéis e vendeu o ouro a valor
de graça.
eu que amei o homem perdi
jóias e casa
e hoje
quando olho um homem
sei quem lhe cabe num poema
e me pergunto quanto tempo
este homem levará para adiantar
a troca ofídica de sua pele