Quatro poemas de Thiago Ponce de Moraes
Thiago Ponce de Moraes (Rio de Janeiro, 1986) é poeta, tradutor e professor. Publicou, entre outros, os livros de poemas Imp. (Caetés, 2006) e Dobres sobre a luz (Lumme Editor, 2016, livro finalista do Prêmio Jabuti). Possui doutorado em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF) com estudo sobre a obra de Paul Celan.
Os poemas presentes nesta seleção fazem parte do seu quarto trabalho, ainda inédito: Celacanto.
***
as nuvens mesmas sendo continentes
ora exilando o sol e sua presença
ora se abrindo em casa em canto em teto
o azul curvado pelo amarelo
os veios brancos a cobrar da tarde
um tanto do seu tempo em outro tempo
ao fundo o horizonte a restar róseo
as cores em espiral seguem dizendo
aquilo que em geral não percebemos
canção que inacessível sopra o vento
*
se bem que começasse azul
e então se adensasse
tentando assim assimilar o vento
e o espesso do tempo
abrangendo desde o preto
até o branco numa intensidade
que fizesse qualquer um
fitar o firmamento
para sempre
desde os tons cinzentos
intermediários e tampouco
decifráveis até a cor vaga
que te parecesse vária
a cada vez que
sol e nuvens interagissem
nessa confusão de imenso
depois vermelhos que nascessem
e então os rosas que passasses
a admirar perante os púrpuras
a que se dobram gastos
os alaranjados e também
os matizes dourados
ou nem tanto mas sem dúvida
faces indiscerníveis da vida
traços dispersados
pelo breu da noite
*
Carne rosa e negra
Em leite branco
Esperança e desespero
Vermelho a percorrer as coxas
Com desejo doloroso
Recortando a noite avessa
Ao grito e ao gozo
Para um mundo feito de relâmpagos
E auroras
Fios de luz e sangue
Brotam
Do ponto de ruptura do corpo
Tempestade sob a nudez
Um sopro
Fenda aberta no topo do céu
Feridas abissais
Os olhos incuráveis
Sobretudo
Hóspedes absurdos
Sem história
Sem imagem
*
Vestígios de Avalovara
I.
reversibilidade vertiginosa das palavras
rumor do mar pela costa
este horizonte
um mapa
apanha traços do destino
emaranha
tua voz
paragem
em que meus ossos rangem
tuas costas que parecem ir para sempre
espirais
sem início
ou fim
II.
teus pés
cavados nas plantas
curvas e claras
as solas
tocam
o solo
escuro do futuro
e com as pontas dos dedos
dispersar sementes
para germinação na primavera
cavar a terra
revolvê-la
flor e fruto
virá-la
transplantar-se
III.
damo-nos as mãos
morna e cautelosa palma
contra palma
ramos emaranhados
rostos em
exploração
linhas a serem
cerzidas
por teu olho
em destino
encargo tortuoso
pousa o dorso
da tua demora sobre
a concha que nasce
após meu pulso
ímã sob a pele
danos e enganos
desastre
de barco à deriva
desvario da alma
e da calma
caminhamos
IV.
cem manchas insidiosas
semelhantes a olhos
de que só no sono esqueço
sono
onde incessantemente nasço
e cresço
nos meus subterrâneos
escureço em falso
veias sob a pele
fazem do sangue
centelha ante a chama
estalo diante dos teus passos
dolorosos
qual quebrar de ossos
dos meus braços
pelo frágil
do teu toque
em que acordo
outro
e me abraças