Quatro textos autoficcionais de Cesar R. Pontual
Cesar R. Pontual (Bruno César Martins Rodrigues) não sabe assobiar, lê compulsivamente ouvindo silêncio e tem dois corações. Seu lema, mesmo que a contragosto, é “antes tarde do que cedo”. Publicou Abra (Patuá, 2017) e participou das antologias 70 x Caio (Patuá, 2019) e A resistência dos vaga-lumes (Nós, 2019).
Os três primeiros textos integram Abra e o último pertence a um livro inédito que o autor não consegue parar de revisar.
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quarta-feira, 21 de setembro
Porra
litros e litros
constritos
irrestritos
de porra
recorrente
ardente
ausente
ao
ente
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domingo, 04 de março
Tangerina da Noite & Bicha Parassuicida Bissexta
Depois das clichês xicaras-de-chá, nós duas tão lésbicas na cama como um par de botas pretas atravessando a Rua Augusta à meia-noite. Nossas tatuagens & cicatrizes desconversaram & choraram quando chegou o orgasmo preguiçoso & precioso. Tangerina da Noite trepei ontem à tarde com a Bicha Parassuicida Bissexta para que ela se sentisse viva & não buscasse de novo os olhos verdes da morte. Terá sido tolice esse sexo vespertino que tivemos assim meio incestuosas & siamesas ou eu a salvei ao menos por agora com o meu corpo?
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segunda-feira, 04 de junho
Ela
Ela é uma cantora que está fazendo muito sucesso, ninguém conhece suas canções, todos cantam junto com ela, ela é a fumaça do cigarro, ela é loira dos olhos azuis, seu cabelo ruivo realça seus olhos verdes, ela é negra e seus olhos castanhos seduzem, ela é a embalagem do presente, ela foi abusada sexualmente na infância pelo pai, ela é virgem, ela beija garotas, ela declara ser hermafrodita num programa de tv vespertino, ela é gorda, ela é magra, ela é a fronha do travesseiro, seu ex-marido diz que ela batia nele, ela nunca namorou, ela está careca desde que perdeu a guarda dos filhos, ela é a tampa da caneta, suas roupas são chamativas e provocantes, ela se veste como uma vovozinha, ela é a taça em que o champanhe é servido, ela se preocupa com a política mundial, ela é alienada, seus fãs a seguem no twitter, ela não acessa a internet, ela vicia como as cores de um videoclipe mas já está acabando.
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Salvador
Bicha. Viado. Morde-fronha. Mariquinha. Paneleiro. Puto. Plutão está mais perto de nós, em rumo de colisão. Vamos elidir as nossas identidades até o dia em que tudo acabar? Queremos o ar, o sol e o sorriso dessa cidade.