Querida conhecida – Por Hugo Lorenzetti Neto
Na coluna mensal “Jerônima” (clique aqui para acessar todos os textos da coluna), a bonita Hugo Lorenzetti Neto nos traz – no melhor estilo eu-miss-desejo-a-paz-mundial – traduções de autoras e autores de diversas línguas e partes do globo. Diplomacia com plissado rosê. Regras: 1) cada coluna é um baile temática, os textos traduzidos têm um tema em comum; 2) uma espécie de ensaio inédito do colunista amarra sempre as traduções. A coluna irá ao ar sempre na última quinta-feira do mês.
Hugo Lorenzetti Neto é diplomata e tradutor, e atuou quase toda sua carreira, de 2006 até o momento, na área cultural do Itamaraty. Atualmente lotado no escritório do Ministério em Recife, oferece oficinas de escrita e realiza clubes de leitura, além de divulgar poesia em seu projeto O Caderno Rosa (@ocadernorosa, no Instagram).
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Querida conhecida
Por publicar na últimas quinta-feira de cada mês, e por normalmente entregar muito em cima da hora a coluna, por mais que a comece a escrever assim que entrego a anterior, coube a mim, entre as colunas, a que despede 2020.
É bonito que as colunas da Ruído Manifesto se despeçam do difícil 2020 com a coluna de tradução. Porque talvez toda essa linguagem que é a vida comum faça sentido nela: a linguagem do outro, como eu vou lê-la; traduzir o texto alheio de modo que faça sentido para mim, mas se pareça com o que o outro construiu. Do português para o português, mesmo. Na mesma variedade, inclusive, e radicalmente, a língua da pessoa com quem mais conversamos todos os dias, o outro mais próximo possível – ouvir é traduzir.
Foi um ano babilônico. Mesmo que eu não o tenha sentido tão ruim quanto me foi 1987, quando a violência homofóbica de meus colegas de escola atingiu o ápice do furor, mesmo que pessoalmente, trancado em casa, os eventos prestigiados pela minha caneca de café em 2020 tenham sido até bons, eu sou parte desse nosso manicômio redondo. E foi muito ruim mesmo para os terráqueos. O objetivo não era tomar lições. Até porque o sofrimento deste ano beira a impossibilidade completa de tradução. Estou com todos, quero estar com todos. Só faz sentido se estamos, cada um em si, mas juntos todos.
Quero reconhecer, não necessariamente celebrar, que estamos aqui, eu escrevendo e você lendo. Somos conhecidas, se não amigas, portanto, de alguma forma, pela linguagem e pela tradução. Fico feliz e comovido, bem nesta frase, porque você está aqui. Pare dois segundos em seguida do que vem agora na tua leitura: este é um agora, e ele é bonito, tem literatura nele, a gente gosta de literatura. Isso, pause.
Paro de falar, e coloco o texto que decidi traduzir, uma canção de Peggy Lee que celebra (ou reconhece) o outro, a conhecida. E celebra a possibilidade da gentileza, da bondade e do perdão. Coisa boa de relações novas, ou de relações antigas que se mantêm novas, dispostas. Não há muita estratégia tradutória a comentar.
Então que Santa Jerônima te aguce os sentidos e os entendimentos, te dê disposição para se traduzir. E te traga dinheiro e quem sabe um pouco de amor, porque a gente não é santa que nem ela.
De coração mesmo, como se a gente se amasse: querida conhecida, tenha um feliz 2021.
My dear acquaintance (Happy New Year) Peggy Lee
My dear acquaintance, it’s so good to know you For strength of your hand That is loving and giving
And a happy new year With love overflowing With joy in our hearts For the blessed new year
Raise your glass and we’ll have a cheer For us all who are gathered here And a happy new year to all that is living To all that is gentle, kind, and forgiving Raise your glass and we’ll have a cheer My dear acquaintance, a happy new year
All of those who are hither and yonder With love in our hearts We grow fonder and fonder Hail to those who we hold so dear And hail to those who are gathered here
And a happy new year to all that is living To all that is gentle, young, and forgiving Raise your glass and we’ll have a cheer My dear acquaintance, a happy new year Happy new year
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Minha querida conhecida (Feliz Ano Novo) Peggy Lee
Minha querida conhecida, é tão bom te conhecer Pela força de tua mão Que é amável e caridosa
E um feliz ano novo Com amor transbordando Com alegria nos corações Para o abençoado ano novo
Erga tua taça e vamos brindar A todos que estamos aqui reunidos E um feliz ano novo a tudo que vive Tudo que é gentil, bom e clemente Erga tua taça e vamos brindar Minha querida conhecida, feliz ano novo
Todos aqueles que estão aqui e acolá Com amor nos corações Nos afeiçoamos mais e mais Vivam aqueles que nos são tão queridos E vivam aqueles que estão aqui reunidos
E um feliz ano novo a tudo que vive Tudo que é gentil, jovem e clemente Erga tua taça e vamos brindar Minha querida conhecida, feliz ano novo Feliz ano novo
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