Três poemas de Rômulo Moraes
Rômulo Moraes é escritor, editor e artista sonoro. Nascido em Juiz de Fora em 1996, formou-se em Comunicação Social pela UFRJ, onde atualmente cursa mestrado com uma pesquisa sobre música e fenomenologia. Seu primeiro livro de poemas Casulos (Kotter Editorial) será lançado ainda em 2019.
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a gentileza do lunático
meses depois da minha vó
ter enlouquecido, ela me disse,
num lapso de sanidade:
você me perdoa, meu querido, perdoa?
minha vó se referia ao seu esquecimento,
à hipnose, à peste: se referia,
como quem tem culpa,
ao apocalipse
eu soube que ela estava louca,
doida de pedra, quando me disse,
afiando os olhos: sua boca
parece um passarinho
apesar de louca, ela mantinha
a elegância: contava piadas, cantava
no chuveiro, imitava vaga-lumes,
colecionava nuvens
mas em algum ponto da sua loucura
minha vó se tornou parte
da espuma, teia transparente:
ela se tornou o Grito
errante
até que uma noite
em segredo
eclodiram do seu corpo
pequenas feridas, como pepitas
de rubi
*
William James:
a devoção flutua no leite / é um banquete / uma perversão / da função digestória / o hálito de deus nos homens / espesso, cor de caramelo / a respiração dos povos / as fomes que se / entrepenetram, ternura / & Presença / e até nos meandros, / nas superfluidades: a estética / do jogo de sinuca / da poça de chá preto / da comoção sexual (um arroubo arbóreo!) / tudo é alimento, e nutre; / a estética da obstrução, da imolação / do pescoço partido ao meio / da mansidão-gorjear (todos são culpados! olhem-se nos olhos!) / e tudo está como um tecido, e emana;
*
manual de limpeza feminina (trechos)
(…)
feminino é o não-objeto
onde a imensidão
se repousa
deitada
e o útero é feito de
névoa e gota
e tem olhos
e boca e
crença
mas vamos dizer a verdade
é muito improvável que
exista mesmo essa
coisa de
útero
quem se atreve a dizer
que acredita num
buraco negro no
centro do
umbigo?
onde tudo que há aqui fora
começa e termina e
começa de novo e
de novo?
quem, entre vós, sábios e feridos,
espera realmente provar que o
trovão de Tudo coalhou,
finalmente, e se abriu
do abdome de
uma virgem
amém?