Seis poemas de Danuza Lima
Danuza Lima, professora de língua portuguesa da Rede Pública de Ensino. Especialista em literatura brasileira e mestra em teoria da literatura, desenvolve pesquisas no campo da poesia e do imaginário. Aquariana, sobrevive entre a docência e as alegrias das pessoas, da poesia e das formas de silêncios. Foi editora e revisora de zines pelo coletivo NAUvoadora, colunista do Portal Parlatório.com. Em 2020, lançou os livros Mantra e Sob a proteção da espada de Iansã, finalistas do prêmio Mix Literário, ambos editados pela Macabéa Edições.
***
a minha mulher carrega o nosso cheiro
pela madrugada
me molha com uma água turva
que pesa sobre nós na
presença forte do deserto do seu corpo.
a minha mulher jorra à noite as estrelas todas de dentro de
seus olhos
e arremessa fogo na cama enquanto dorme
estranho ser de paz
na gira piramidal das falanges
no carpo
metacarpo
entre o vão e o desnorteio
vem ela e agarra o sol de mim.
a minha mulher carrega a destreza de ser ela e eu
e entra pelo dia
tendo o sol na cabeça
e o cheiro nosso
na ponta dos seus dedos
*
Tecido
imprima sobre mim
– eu, linho no bastidor –
caleidoscópicos ornamentos
atrasados e sem relógio
como marcas
do ancestral encantamento
cheiro perdido no tempo
marcando em
ossos
articulações
músculos
nervos
veias e artérias
desenhos de
comigo-ninguém-pode
pitangueira
romã
folíolos
arabescos
gota e mel
Que todas as veias
encontrem teu caminho
entre o polegar e o indicador
faça em mim o seu bordado
e
nas cinco vértebras lombares
com destreza
arremate
laços nós
e
em cada linha
aviamento
reinem tuas falanges
e a queratina dura
– tuas unhas –
*
A mulher é um animal que chora
e sua glória é ver o sol entrar pela janela
como se fosse o último
ela pega linha agulha areia e palavra
constrói uma concha e se aninha embaixo
nácares e um cheiro terroso vêm do quintal
no sangue que a visita
na comida preparada com intento
no sal dos olhos
a mulher é um animal que chora
do carbonato de cálcio que a envolve
às lembranças histórias e um sono de costume
urge uma mulher
uma flor um sol
as frutas no chão
na foto pela tela do celular
a mulher é um animal que chora.
*
dos ritos II
I.
Repare o caminho das unhas:
alguém sentado deitado
espreguiçando
longe daqui
até dissolver
elas
alinhavam na pele das costas
riscos
epiderme, pelos, nada mais
sentir o cheiro do sangue
doce
saber do seu tempo
entre folhas agendas reuniões
perceber o cheiro é
voltar às alquimias
agora sou bruxa
astuta
faço suor das panelas
mimetizo paisagens
danço
workin’ together
porções novas
feitiços via whatsApp
e
durmo de meias
*
Dos ritos I
boiar as frutas
lavar e escovar
e sendo delas
com elas,
construir exercícios de espera
como
ter água nas mãos e roupas
olhar além dos resquícios
de folíolos
do perfume carminativo
embaixo das unhas
e durante a fervura
propor assombros com os pedaços
o líquido
e enquanto se bebe
– me sinto bruxa –
reinicio a palavra
nome.
*
Terreno
há uma flor de lótus
estendida sob este corpo quente, deitada
feito um monstro, devora, seduz,
estende seus filamentos nervosos de clorofila e
luz nas camadas mais fundas da minha pele,
linhas-cordão de fogo, som de cítara,
cordas são amarrações, nó,
banho de visgo quente entre a medida de um intervalo
absurdo:
o tanto querer.
há uma mandrágora
e ela urge e arde
sorve e apregoa o tempo das horas antigas, onde
não existiam
– pergaminhos
– palavras
somente o som
e o símbolo.
há magia
no olho certo que vê e sorri,
no cabelo, no ângulo
da curvatura elástica de
– pernas
– braços
e no desenho das veias tatuado entre os seios.
há uma flor
e ela abre e fecha
suas pétalas tão grandes e finas
seu pistilo tem dentes e pelos
e me morde
me devora essa flor
até se fecharem os olhos.
José Tadeu Gobbi
Muito bom, danuza.
Silvania
Danuza, amei amiga