Seis poemas de Elias Borges de Campos
Elias Borges de Campos é poeta, contista, cientista social e filósofo. Tenho dois livros publicados: Fotografias (poesia, 2007) pela UFMS e Lipoaspirados (Microcontos, 2011) pelo FIC. Ministro oficinas de microcontos e textos criativos.
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A MENINA E O ESPELHO
A primeira vez foi com a arma do pai.
Não sabia ainda, mas já tão cedo
acordada para o destino de sofrer.
Quando a lâmina se espatifou em mil
recolheu os cacos da menina e prosseguiu.
A imagem do espelho a perseguiu.
Erma de mundanas delícias
entregou o gatilho ao vidro metalizado.
No mediastino, achou que não erraria.
Um dedo acima e o coração a zombar:
Por que amou?
Cada gota de soro respondia com desdém:
Porque às criaturas, só cabe amar.
*
APRENDENDO NO ESCURO
Tenho mais vida para amar do que a morte por perto.
No escuro, o desafio com um trevo de quatro folhas
para saber que peças abandonas hoje.
Te amar, assim, com uma nudez parcial,
organiza minhas retinas na riqueza dos teus traços.
*
CARBONO 14
Uma bergamota na cesta de frutas,
única, sozinha,
exala o cheiro de bosque na casa inteira.
Sua cor de sol completa o cenário.
As vidraças retendo o calor,
cristalizando a beleza do ambiente,
fixando a idade dos fósseis
que venho colecionando há tempos
nessas estantes cheias de livros.
Um dia por certo,
todos os personagens fugirão.
Suas idades reveladas pelo isótopo do grafite
que a ninguém perdoa.
Não adianta o Botox, o gel, o silicone.
Narciso não mais se contentará
mirando-se no espelho.
Ninguém mentindo com tanto esmero
impedirá o veredicto verdadeiro,
esse que contemplará Narciso
se afogando no lago,
que por tanto tempo o admirou indeciso,
não sabendo afinal se ele era puro improviso.
*
MONOGRAMA DE AMOR
Em que clave se lê o pentagrama da dor?
A noite de um adeus tem aceno que continuamos
medindo com retinas de criança.
Melhor que não tivéssemos ouvidos para essa sinfonia
destinada a ficar insepulta diante dos versos que a louvam.
O sonho de amar está no alto da esfinge,
tão ignoto tal esses noivos que desmaiam
com os longos discursos monásticos.
*
PERGAMINHO
Todos os dias grafo um pouco em tua pele
o silêncio que me mortifica.
Um silêncio de quem chora ânsias indecifráveis
por todos os que também se calam.
Por ti que nada pedes e suportas um corpo
tatuado de angústias.
*
POR QUE!?
Porque este queria tudo
Não conseguiu resistir-lhe.
Entregou-lhe seus anéis
e seus dedos,
Sua atenção e sua fome,
Seus segredos e sua vasta cabeleira.
Despiu-se do seu passado,
Sua genealogia,
Seus antigos amores.
Por não saber permanecer inteira
Se perdeu, com ele foi morar,
À beira do precipício.
Sandra Aparecida Ferreira ANdrade
Pergaminho de Elias Borges é uma viagem ! Dói ler! E dói não ler! Preciosa vertigem pra nossa sensibilidade !
Elias Borges
Obrigado minha poeta querida. Amo seu texto.
Fábio Fernandes Gondim
Carbono 14 é das coisas mais lindas que já li.
A poesia de Borges de Campos é saborosa, vem com três adicionais de perspicácia.
Elias Borges de Campos
Obrigado Fábio Gondim. Você é uma grata surpresa entre os novos textos que surgiram na poesia brasileira.