Seis poemas de Gabriel Cortilho
Gabriel Cortilho (1992- ) é poeta e professor de História em Araraquara, no interior de São Paulo. Possui como referência a poesia de Manoel de Barros e Fernando Pessoa. Tem poemas divulgados pelas revistas Carlos Zemek; Liberoamérica; Mallarmargens; O Poema do Poeta; Escrita 47 (Guatá- Cultura em Movimento). Organiza seus escritos no formato de livretos, sendo eles: Atemporal/Cronológico (2014), Transitório (2015), A Transa dos Besouros Verdes (2016), O Poema e a Cachaça (2017) e Javali Radioativo (2017), A Carne e o Licor de Moscas (2017), Os Fios Esquecidos Pelos Olhos (2017) e O Poema Entre as Ruínas (2018).
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Estranhamento
confrontar o ego
desvela fissuras
no teu cristal
freud chamou
inconsciente
jung disse
alma
e percebes
que, no fundo,
és desconhecido
dentro de ti mesmo
um estrangeiro
em teu frágil
corpo
*
Gestação
dentro do dizível
o corpo fecundo
à voz do indizível
poço sem fundo
nasce o poeta
grávido do mundo
*
Epitáfio da normalidade
sem poesia
jaz aqui
a vida infecunda
*
Bicho raro
cuidado
com a palavra
amor
êxtase
ou dor
tessitura de areia
que vem quente
e escorre pelos
dedos
doce
te beija
sutilmente
esquarteja
o coração
é bicho raro:
comporta flores
e feridas de cigarro
*
Práxis
amor
justiça
liberdade
presos em poemas
dicionários, leis
constituição
de tanto serem ditas
a esmo, vazias, em vão,
as palavras irão insurgir
sequestrar a retórica
e exigir de resgaste
concretude
*
Doar-se
se for
para oferecer
meio pedaço
do coração
sem
por a alma
nas palavras
prefiro, então,
não doar o meu ser;
pois não há, no que digo,
a entrega das vísceras
fico sozinho,
mas, ao menos,
não descuido
do outro
amar é doar-se
e, quando em migalhas,
não serve nem sequer para
alimentar a fome dos pombos