Seis poemas de Guilherme Paes
Guilherme Paes tem 30 anos, nascido e crescido em São Paulo, é psicólogo pela Universidade de São Paulo e escreve poesia como forma de articular o que escapa aos outros discursos. É aluno do CLIPE (Curso Livre de Preparação do Escritor da Casa das Rosas) de poesia 2020.
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Batem no chão uma, duas,
três vezes, o menino ajusta
o carretel enfiado no braço,
garçom de animais bidimensionais,
puxa repuxa recua
vira a cabeça enquanto corre
ágil para trás, as mãos agitadas
pesca inversa devolvendo
peixes bicolores ao céu, o xuá
de suas escamas de seda
sacudindo no vento insistente
*
borrão entre uma e outra sombra,
sorte, a cola que segura as vigas
dos prédios que não caem?
com que deus confuso e sujo
a bruta extensão fuliginosa
desse centro também em si
labirinto ad infinitum quer
nos comparar, lembrando a
empoeirada insignificância?
a qual descuido do acaso graças
pelo vigor de, sísifos, ir e vir
e não, pálidos, pedir e pedir?
*
descoberta tardia
: comer a fruta
prescinde da contagem
dos ramos da raiz
(mente, feliz ou infeliz?)
*
não saber o nome das árvores
das ruas, distâncias das casas
ter dos vizinhos só as sombras
de seus cães somente os latidos
seguir pela ordem dos pontos
dos postes, dos bares, dos muros
e retornar com a escassez
no horizonte dos que não ficam
*
os que não choram
cortam e separam impiedosamente
as camadas da cebola
e o mestre zen diz não se incomodar
com o incômodo vindo do incômodo
mas todos sabem
há um número máximo
de dobras pra um papel
veja o tenista incapaz de vencer
desde que viu em mãos a raquete
*
ítaca estranha que abriga
sereias ciclopes lestrigões
exaurindo juntos argivos e
troianos em guerras herméticas
ilha em que todo cavalo
de madeira é mortalha tecida
e desfeita como os vestígios
da nossa intensidade suspensos
num silêncio que se quer ancestral