Seis Poemas de Julia Roque
Julia Roque tem 24 anos, mora em São Bernardo do Campo – SP, é graduanda do curso de Letras – licenciatura português, pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Começou a escrever textos ficcionais ainda muito nova. Gosta de escrever poemas, contos, crônicas, e espera futuramente poder também atuar no ramo audiovisual.
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ego vox clamantis / Eu sou a voz que clama
Você invade a minha cabeça
Come o meu cérebro
Estraçalha o meu corpo
Arranca um braço
Uma perna
Avança, e grita
Urra dentro da minha alma
Rompe a minha carne
Puxa os meus cabelos
Eu quero me livrar desse pesadelo
Te arrasto e te amarro
Te corto em mil pedaços
Você volta, mais forte que nunca
Invade os meus sonhos
Me assusta
Me muta
Paralisa os meus olhos
Me deixa sem ar
Essa dança da morte, enfim, cessa
Dois minutos de pausa
Eu sei que você vai voltar
Porque, por mais que eu lute contra
Você sou eu.
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Palavra Cristalizada
A pior palavra é a cristalizada
Teima em ficar aprisionada
Instaurada dentro do ser
Palavra que não solta
Enfia as unhas na carne
As crenças mais profundas
Medos angústias paranoias
Saia de mim! Não aguento mais!
Palavras grudadas feito chiclete velho
Moradas malditas
Palavras vazias, e tão cheias de si
Quero mudar vocês de lugar
Botar em um porta-retrato
Ou em um álbum de fotos antigo
Desses do tempo da minha bisavó
Pra que vocês fiquem lá, e não aqui
Lá, vocês que criem os seus laços
Os seus nós duplos
Mas, me soltem! Não aguento mais!
Quero ser livre de palavras violentas
Quero ser livre de frases finitas.
***
Eu sei porque o pássaro está preso na barriga
A fúria que habita em mim
Teima em querer sair
Bluebird de asas cortadas
Quero enfiar goela abaixo
Fica, fica coisa medonha
Fica aí, quietinha
Mas, ela é rebelde e ingrata
Taca fogo em tudo e explode
Livre para botar a cara no mundo
Devo soltar o freio
Vai, então, filha ingrata
Toma forma, deixa eu te ver
Preciso me acostumar com ela
Amiga, vem, meu bem
Vem para o meu colo
Te darei todo o amor possível
Devo me acostumar com a sua presença
Inferno na Terra é apenas luz
Raio de Sol que deseja voar.
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Purgatório na Terra
A semente que brota da terra ácida
Mal que culmina toda a vida
Se arrasta, arrebatando
Desce até o fundo do poço
Cria raízes circulares emaranhados
Estranhos que quebram as barreiras
No meu útero, a chaga
Que envenena toda a plantação
Esse purgatório em que me crio
O cárcere vivido em liberdade
Pecados pagos, virei santa
Virgem Maria das terras baixas
Caminhando desmembrada, ladeira abaixo
Hipertrofiada pelas próprias paranoias
Sigo o meu mártir pelo vale ressecado
Levando, comigo, pedaços de gente morta
Pernas, braços da minha família
Que me prendeu quando eu brotei fora
No mundo amaldiçoado em que sirvo
Escrava, de peito cavado
Procurando um perdão imparcial.
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Carne Forte
Não ser perfeita me entristece amargamente
Bicho monstro que pensa
A pior espécie já criada
Ser boneca de pano trapo
Carregar o peso enorme de nascer
Assim, cheia de regras violentas
Violadas pela coragem de transpor
A tarefa não é fácil
O julgo não é leve
O fardo é imenso
Imensamente doloroso e hostil
Ser assim, ser mulher
Ser sozinha, não me importo
Ser-somente.
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Boneca Russa
Eu sou uma boneca russa
Quando desvendo uma parte
Outras cem, vem à tona
Eu sou um pedaço de muitas
Sombras, luzes
Face coberta de máscaras
Se chegar perto demais
Abismo sem fim
Eu quero gritar
Soltar essa angústia
Vozes sussurrando desesperadas
Quero o meu pior
Luto pelo melhor
Tenho a mania de me apunhalar pelas costas.