Seis poemas de Larissa Rodrigues
Larissa Rodrigues, natural do município de Feira de Santana-BA, é preta, poeta, professora, pesquisadora, mestra em estudos literários pela Universidade Estadual de Feira de Santana, milita junto ao Coletivo de Empoderamento de Mulheres – FSA. É co-mediadora do Leia Mulheres e co-produtora do Ciclo de Oficinas em Escrita Criativa em Feira de Santana. Já publicou seus versos em antologias, especialmente as da Diabo A4 e , vez em quando, venta em http://larigerbera.blogspot.com/.
***
Choveu
Naquela noite eu pisei descalça no quintal úmido
– era a primeira vez que isso me acontecia na casa.
Meu reflexo apareceu no vidro da porta,
me vi.
Meus cachos dançavam ao redor
sacudi aquele mar negro de brilho.
E quis um retrato
Mas, a máquina no andar de cima
Soou como preguiça
e medo de perder o instante,
raro,
de me ver…linda
na lida dos dias me esqueço disso
: amar(me)
Me fotografei com os olhos
Versos
Alma.
*
Cicatrizes
Às vezes
As chagas de meus ancestrais
me assaltam a noite.
Desejo como pesadelo aquilo
Que soa lembrança na minha carne
Preta, vermelha…
Palavras e coisas em trégua por instantes
Para que outros e outros e outros
Universos sejam criados
E eu, enfim possa esquecer tudo novamente
Mesmo que me venha à boca o gosto da perversa pergunta:
Até quando?
*
inelutável
Já fui fada, sereia, mãe, Irmã
Criança e anciã
Já gritei muito
Chorei muito
Quebrei tudo
Pela palavra vã
Já deixei pra trás
Corri a frente
Já calei muito
Já ouvi muito
Dores infinitas
fui esposa mística
Já fui Sara, Ana, leoa
Quase sempre,
porém,
infinitamente
só.
*
Regresso
Minha pele cria memórias
das estradas que vivi
porque danço macia
na águas
meu coração cria memórias
que meu corpo não percorreu
ou o ainda pulsa firme
nos dias que desconheço
minhas mãos criam memórias
de constelações não calculadas
até que eu,
enfim possa,
me perceber (ou receber)
inteira.
*
Esfinge
Antes de tudo, silêncio
Aquele que achei que iria me engolir
De vez
Num trago só
E trouxe. Até aqui.
Com pequenos cortes no corpo da cena
E nessa palavra
te digo:
Talvez tudo que que não disse antes, pra mim.
Quando ouve meu porra de sotaque doce
Que desce nos quadris
Ou quando diz que fodo bonito
Eu digo que implodo em centenas de mães
Que escapam da minha boca e me abraçam
Enquanto te nado ou me nego
Que você só me come se tocar Caetano
E escapo pra esse corpo preto que não se vê
Que só teus olhos
E essa dança me bastam
Mesmo que nos vejam ilegais
E que, nas margens grossas do meu corpo,
Eu grito que estou caminhando
Rebolativa
Pra dentro de mim.
*
Onde coloco meu corpo?
Nas ruas estreitas da culpa
Nas vielas do vazio
No oco mais profundo
Onde coloco meu corpo?
Na palavra que rasga
A pele da verdade
E a voz que pulsa
É das sombras de si
Onde coloco meu corpo?
Ele percorre caminhos
Que despedaçam certezas
Que desterram canções
Que despetalam cruezas
Onde coloco meu corpo?
Na janela das ausências
No fôlego das nascentes
No instante-contínuo
Da porta de entrada
De um corpo-casa.
Bem vinda.