Seis poemas de Manuella Bezerra de Melo
Jornalista nascida em Pernambuco, Manuella Bezerra de Melo foi produtora cultural e repórter, especializou-se em Literatura Brasileira e Interculturalidade. É poeta, cronista, autora e contadora de histórias. Quando viveu nas Serras de Córdoba, na Argentina, publicou sua primeira obra, Desanônima (Autografia, 2017). Já em Portugal, publicou Existem sonhos na rua amarela (Multifoco, 2018) e Pés pequenos pra tanto corpo (Urutau, 2019), além de participar da antologia Pedaladas poéticas (Aquarela Brasileira, 2017). Mora em Guimarães e dedica-se a um mestrado em Teoria da Literatura na Uminho. Os poemas abaixo fazem parte de Pés pequenos pra tanto corpo, que será lançado em junho/julho do corrente ano em Portugal.
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Era seu corpo camaleão
às vezes verde ou vermelho
às vezes morto o corpo
às vezes subia árvores
outras paredes ou tetos
trocava a roupa réptil
trocava de pele lagarto
pra ser outro corpo
quando vivo camufla-se
sempre vivo escondido
hábil desapareceu, invisível
Era seu corpo um asco
escamoso escorregadio
sua longa língua devora insetos
vespas, aranhas e outros seres
terminantemente menores
não podia se tocar esse corpo
provocava repulsa e arrepio
corpo caminho, porém morto
e descompensadamente torto
embora vivo
*
Esse ano morreu
depois nasceu
a terra sente o peso
do ano correr como
corre a água no rio
ao menos não foi
como no anterior
que morreu e lá ficou
morrido; mas mesmo
queria ser laranja de
pomar ou chuchu na
serra que dá aos montes
o ano inteiro
*
Não sei se mudei multipliquei
se subtraí alguma eu de mim
se me somei posso ter inflado
ou esvaziado mas já não sou
mais ela aquela magrela tagarela
insegura gazela cheirando a mar
não sei se alcancei aquela moça
que desenhei ou se nesse projeto
fui vitoriosa ou me equivoquei
alcei voo depois posei em cima
da fiação eletrifiquei morri feito
urubu malcriado ou burro ou tonto
pensando ser subversivo mudou tanto
tanta coisa mas manteve o velho hábito
*
No dia que ela foi apagada
disseram-me passional
disseram-lhe passional
disseram ao crime, passional
e disseram passional também
às balas que perfuraram-lhe
o crânio
pelas costas
de joelhos
Disseram que por amor, ou zelo
isso adoeceu meus passos
meus caminhos e minha caneta
que desenhou por anos todo
dia a mesma barata morta
pela impressão aborrecida de
quando se referem a ela
fazem parecer que acidentalmente
caiu com a cabeça na calçada;
fatalidade
*
Esta paixão é um jabuti de apartamento
corre quatro cômodos em quarenta dias
fecha o mês ocultado pela samambaia
com saldos de alfaces velhas às patas
*
Meti a poeta na jaula
como macaca brava de circo
rosnava assustadoramente
faminta e incontornável
poetas devem ser sublimes
não feias, vulgares, mondrongas
poeta é tênue, intocável
não disforme, buguio, cacajao
Vez por outra escapava
pra me encher de culpa pelo poema
que não paga as contas do mercado
a comunista me viu acabrunhada
Reclamou:
— Você é poeta. O demônio tem medo
da poesia!
Taí a função da poeta primata
Mário porto
Adorei os poemas apresentados aqui . Gostaria de apresentar os meus! Mário Porto, Juiz de fora, mg