Seis poemas de Nívia Maria Vasconcellos
Nívia Maria Vasconcellos é poeta, contista, letrista e declamadora. Publicou os livros Invisibilidade, …para não suicidar, Escondedouro do amor (Prêmio CDL de Literatura 2008), A Morte da Amada e A paixão dos suicidas (Selo João Ubaldo Ribeiro – Ano II/FGM) e lançou o álbum A Vênus de Willendorf (Mousikê). Tem poemas publicados na Coletânea Prêmio Off Flip e nas antologias Arcos de Mercúrio, Sétimo Aeon, Cantares de Arrumação, Tudo no mínimo, Estranha Beleza e Antifascistas. Atualmente, integra o projeto literomusical Mousikê e prepara seu próximo livro, Cãibra de Nó, contemplado pela Funceb com o Prêmio Jorge Portugal. Além das atividades artísticas, é doutora em Literatura e Cultura pela UFBA e atua como professora.
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Desencontro
Eu tenho
Uma mulher
Que me tem
E, com ela,
Um mundo
Que minha mãe
Finge ignorar
E meu pai
(Já morto)
Não pode
Conhecer.
*
A Vênus de Willendorf
Meu corpo nu é
a Vênus de Willendorf,
são seus peitos e barriga.
Sobretudo, meu corpo nu,
esculpido e exposto,
são suas genitais e umbigo.
Meu corpo nu é
a mulher de Willendorf:
escultura de tempo,
gesto ancestral,
paleolítico,
volumoso e fértil.
Meu corpo nu é,
no fim de tudo,
apenas mais um corpo nu
(natural)
no museu da história.
*
Gênesis
De meu útero:
Suas costelas
*
Estudo 2
A morte de meu pai
diminuiu o meu medo
da morte
Saber dele já morto
é ter sempre aquela sensação
(quase religiosa)
de reencontrá-lo.
*
Escondedouro do amor
O amor não está na estrela
que, ao cair, carrega o pedido sussurrado,
está no olhar que a percebe e espera.
O amor não está nas cartas
lançadas sobre mesas postas,
está na tensão de quem as ouve e deseja.
Búzios, números e datas
não contêm o amor,
ele não está numa procura.
Rezas, promessas e velas
não trazem o amor,
só a esperança de encontrá-lo.
Mas ninguém encontra o amor,
ele é (misteriosamente) despertado…
num momento de distração e abandono.
*
A morte da amada
Quando a amada morre,
Não é seu corpo que fenece,
Mas o desejo que existia por ele
E tudo o que era romance e espetáculo.
Não é a mulher que padece
Quando a amada morre,
É o amador que deixa de existir
E tudo é enterro, tudo é luto.
Não há coisa mais triste
Do que uma amada que morre
E que, quando morre, mata.
Quando a amada morre,
Perece a poesia
E viver é expiação e tormento.
Mas tudo revive quando,
Como um susto, outra amada surge
E com ela (de novo) o encanto.