Sete poemas de Patrícia Pertele
Patricia Peterle nasceu em São Paulo e cresceu no Rio de Janeiro. Atualmente mora em Florianópolis. É crítica literária, editora, tradutora de textos literários e filosóficos e professora de literatura italiana e comparada na Universidade Federal de Santa Catarina, atua também na Pós-graduação em Língua, Literatura e Cultura Italianas da Universidade de São Paulo. Tem Pós-doutorado em História pela UNESP e em Poesia Italiana pela Università di Genova. Contato: patriciapeterle@gmail.com
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Matéria materna em Barcelona
Nesse espaço semi-escuro
fecham a cortina
estamos nesse leito
palavras engasgadas
silêncio
na combinação dos números.
Sangue. Sangue.
Sem dor no vermelho
Sem a perda do grito
*
Destinos
Dentro de meu corpo teu corpo
minha voz escuta tua batida
o sangue molhado
me abre
*
A babel de um vocábulo
Um vocábulo, talvez
uma catacrese – língua –
sim, uma figura imprópria
impossível de ser dita
a letra muda
plenitude residual
alfabetos em rearranjos
associações múltiplas
som ritmo prosódia
elementos particulares
metamorfoseando-se
a vaca ninfa.
Tudo aqui borbulha no desaparecimento
persistência do esvaecer insurgência do resto
um ser sobrevivente a si próprio
E o poeta?
ele sim, ruína de sua pervivência.
*
Os pés deslizam nos rochedos
amansados nesse trecho pelas ondas
a agave desponta em mágica simbiose
nesse solo todo ele mineral
acolhida pela brisa mediterrânea.
Vozes que traduzem outras vozes.
Nuvens desenham no índico do céu
jogos de luminosidade aparecem
aqui embaixo. Saltitando numa perigosa
dança sigo esses simulacros de algodão
numa língua desconhecida trazida
nos bicos de pássaros passageiros
que em rota anunciam novos alfabetos.
*
dentes-de-leão na campina
basta um sopro
poeira branca se pulveriza
*
curvas na lagoa
frescura do vento na água
o voo da libélula
*
O silêncio na canícula de uma tarde
vazia chama pela chuva.
Os rastros registram nas geografias
paralelas cheiros cores e formas
na tubulação corroída o ninho de rolinhas
o verde-cinzento do bolor no canto do armário
a trilha incansável das formigas na cozinha
a iguana e sua língua carnosa em meio à relva
trabalho árduo variadas pertenças
emaranhados multiespécies
belezas na diferença
que há muito e facilmente
cismamos em ignorar.