Seis poemas de Ricardo Leão
Ricardo Leão é o nome literário de Ricardo André Ferreira Martins. Nasceu em São Luís do Maranhão, aos 2 de março de 1971. Poeta, ficcionista, ensaísta, professor universitário. É autor dos seguintes livros: Simetria do parto (2000, poesia, Editorial Cone Sul, Prêmio Xerox de Poesia), Tradição e ruptura: a lírica moderna de Nauro Machado (2002, ensaio, SECMA), Primeira lição de física (2009, poesia, SECMA, Prêmio Gonçalves Dias de Poesia), Os dentes alvos de Radamés (2009, 1ª. edição, SECMA, Prêmio Gonçalves Dias de Ficção; 2016, 2ª. edição, Benfazeja), No meio da tarde lenta (2012, poesia, Paco Editorial) e Os atenienses e a invenção do cânone nacional (2011, ensaio, 1ª. edição, Ética, Prêmio de Ensaio da Academia Brasileira de Letras de 2012; 2013, 2ª. edição, Instituto Geia), A plumagem do silêncio (2015, poesia, Nobres Letras), Minimália ou O Jardim das Delícias (2017, poesia, Penalux).
Todos os poemas dessa seleção são do último livro.
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NOCAUTE
O eterno é oco
À carne dos lábios.
O eterno é louco
Até para os sábios.
O eterno é pouco
Nos vãos alfarrábios.
O eterno é um soco
Nos egos inchados.
O eterno é o ouro
De todos os tolos.
*
IMPERATIVO
É forçoso que me torne
O meu futuro cadáver.
Que esteja vivo na morte
E que o eterno se lasque.
*
INDAGAÇÕES
No morto a ser futuro
Amarrei o meu jumento.
Como posso, no escuro,
Ver, cego, o pensamento?
A sorte deu no muro
Do céu que não invento.
Este corpo que abjuro
Só existe quando penso?
No deserto de Arcturo
O dia já foi mais lento.
Acaso o mundo furto
Quando olho por dentro?
O nada que capturo
Tem o vazio mais tenro.
Lá no fim de outubro
Ainda existe algum tempo?
No centro do absurdo
Não existe nenhum centro.
O sexo com que plugo
O teu sexo, é um membro?
No verso mais enxuto
Não enxergo o que engendro.
O poema finda, estúpido,
Sem lenço ou documento.
*
BUROCRACIA
Sem qualquer pressa
Termino o ofício.
Com a mão destra
Assino-o, tímido.
A letra atesta
Desde o início
A fonte incerta
Que há no abismo.
O nada zeras
Ao fim dos ciclos
Quando começas
De modo típico.
A folha empresta
O branco vívido
De uma floresta
Que não habito.
A estulta regra
De todo ilícito
É o que nos lega
O charme e o vício.
Não há mais verba
Ao meu auspício.
O assunto cessa
Após escrito.
*
POSSIBILIDADE
O recomeço, talvez,
Mas ainda não.
Talvez um gesto,
Ou mesmo a mão.
Talvez o centro,
O cetro, o certo.
Ou talvez a vez,
O crime e as leis.
Ou talvez, nem sei.
Um reino sem rei.
Talvez a resignação
Ou o pão. Talvez.
*
USANÇA
Habito o homem
Que ainda há em mim
Talvez por hábito,
Ou por teimosia.
E assim persisto
No velho empenho
De, comigo, sê-lo.
Escrevo-lhe cartas
Sem selo, rua ou via,
Qualquer endereço.
E, às vezes, se durmo
Quase que o esqueço.
Apenas percebo
Que o homem em mim
Não tem fim, começo.
Mas, irmão ou amigo,
Hoje até consigno-o
Como companheiro.
E quando o inquiro,
Certamente o persigo
Na raiz do cabelo.