Sem Merlot, não se dá nem Bom Dia – Por Carla Cunha
Na coluna mensal “Teia Labirinto”, Carla Cunha escreve sobre Literatura Erótica e Pornográfica. O nome da coluna nos remete à trama e aos caminhos enrodilhados que todos nós enfrentamos ao pensar na própria sexualidade. Nessa trajetória, pontos se conectam e produzem uma teia de informações sobre quem somos. Porém, às vezes, não encontramos o caminho e a sensação é como se estivéssemos num Labirinto.
Carla Cunha é paulista, escritora de Literatura Erótica e Pornográfica, mantém um blog com textos sobre o tema e em 2019 lançou Vermelho Infinito.
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Sem Merlot, não se dá nem Bom Dia
Fazia mais de três semanas do casual encontro com Nina. Dois drinks de carambola, com água de coco e raspas de limão siciliano. Vodka, claro. Dose dupla. Nina era linda, mas muito consternada com os desafetos de uma relação conturbada. Não disse outra coisa que não envolvesse a história do namorado. Aconselhei daquele jeito, seja mais você, se empodere, apele para a espiritualidade. Foi assim que passamos a maioria do tempo daquele encontro na festa de aniversário de uma amiga em comum.
Preciso confessar que apesar da baboseira conjugal da sua narrativa, Nina me chamou atenção. Era firme com as palavras e tecia com as mãos e o corpo uma dança que acompanhava o ritmo da prosa. Usava um vestido colado ao corpo magro e muito bem alinhado nas curvas delicadas. Os peitos pequenos e pontudos moviam-se com aquele passo ritmado de conversa. Não trocamos contatos, o que depois achei uma pena. Nina seria pelo menos uma boa amiga.
É interessante isso dos tempos modernos de não trocar contato na hora que se conhece a pessoa, justo porque é muito fácil encontrá-la nas redes sociais. Duas semanas depois, Nina entrara no meu Instagram para curtir não uma foto, mas umas vinte fotos, com comentários e elogios amigáveis. Talvez tenha me achado por causa de uma postagem da aniversariante agradecendo a presença dos convidados. Achei ela generosa e entendi que queria se aproximar, justo por isso não me admirei quando ela me chamou no Direct. Queria falar agora sobre os gatos de estimação, sobre as últimas notícias da política e, claro, sobre nosso encontro, o quanto ela tinha gostado de me conhecer.
Sinceramente, não vi aí nenhum indício de sacanagem, meu radar afiado fareja hormônios sexuais ainda antes de serem liberados pelo organismo humano, e nessa circunstância pensei em amizade. Cultivei aos poucos, porque tudo nessa vida é uma construção de peças que se encaixam para configurarem o relacionamento. Foi assim até Nina me ligar no último domingo. Queria me encontrar, tomar um vinho, comer algo e conversar um pouco sobre coisas da vida. “Coisas da vida?”, “Tomar um vinho”, me liguei na hora. Existem frases que trazem significados que estão por trás das palavras ditas. Ou ainda, quando juntas duas ou três frases compõem uma química invisível e única que o significado acontece bem longe daquilo que cada frase isolada poderia dizer. Enfim, Nina queria algum esquema e era nível hard.
Chegou ainda naquela tarde, carregava nas mãos uma bolsa com comidinhas e na outra duas garrafas de vinho Merlot. Entre risos e abraços de boas-vindas começamos a beber. Nina falava agora de suas expectativas para o futuro, de seus projetos e também de desejos. Introduziu na conversa o nome de uma menina chamada Liliana, uma mulher, segundo ela, lindíssima, que sonhava em transar e não só isso, Lili, ela e o namorado. Aquele assunto me trouxe um estranhamento, justo pois Nina tinha ciúmes e se sentia magoada com inúmeros episódio de desconfiança na relação. Escutei, mas com o nível alcoólico elevado, não consegui raciocinar se fazia ou não sentido todo o contexto e as enjambradas que ela me apresentava. Parecia interessante aquela confusão de desejo, medo, ciúmes. Sem dúvida, uma composição excelente para o tesão. Escutava a história calada, tentando encontrar a ponta do fio desse emaranhado, o que não foi nada difícil, porque bem no meio da história, Nina me tascou um beijo. Retribui na hora, pensava fazia dias em ter nas pontas dos dedos aqueles seios falantes. E foi assim que chegamos ao ponto de deitar no sofá da sala para escutar uma música e continuar no querém quequerém. A coisa evoluiu de tal forma que quando me dei conta, nuas, chupávamos uma a outra. Ela era ousada, sagaz, descia até a buceta num movimento de capoeira que quase desaparecia no meio das minhas pernas. Sabia da sua presença pela língua safada e exploradora que cutucava com a ponta o meu clitóris enrijecido. Não sei por qual motivo, mas o corpo respondia numa tensão que dava todos os sinais que logo logo chegaria ao orgasmo se caso o celular dela não tocasse em insistência e ela se desconcentrasse para ver quem a chamava. Paramos ali para que Nina vasculhasse a bolsa em busca do celular. Foi interessante ver o sorriso de Nina ao identificar quem a chamava e logo atender dizendo que estava na minha casa e que precisava de outra garrafa de vinho. Desligou falando que podia faltar tudo nessa vida, menos vinho e que justo por isso seu namorado viria trazer. Entendi ali quem era Nina, engenhosa, armava um encontro à três. Aliás, talvez a Lili nem existisse, uma personagem criada por ela para observar minha reação diante dos desejos do casal. Nunca consegui concluir sobre sua personalidade, mas aquela ideia de transar com ela e o namorado me deu tesão. Fiquei imaginando ele comendo uma e outra, enquanto a gente se beijava e se lambia. Por isso, nem falei nada dela manipular toda a situação. Quer saber? Achei foi bom. Enfim, de repente, o interfone tocou, o porteiro do prédio avisou a chegada do namorado. Abri a porta, um homem muito bonito, mas não trazia nada nas mãos. Paralisei, os homens são importantes, mas os homens sem uma garrafa de vinho não são nada. Aquilo me desestimulou de tal jeito que foi bem por isso que dei uma desculpa ao casal. Nina calou-se, injuriada, depois tentou me convencer da transa, mas eu já havia perdido o tesão. Tem coisas que uma mulher não deve jamais aceitar. Pedi para continuar o encontro outro dia. Eles se foram, mas ainda escutei os gritos de Nina das escadarias do prédio.