Sete poemas de Eduard Traste
Eduard Traste descobriu que não tinha salvação. Desde então vem destilando os necessários pingos de vida para seguir em frente, de seus escritos e outros tragos. Escreve no projeto www.estrAbismo.net, e tem materiais publicados nas revistas: Alagunas, Escambau, LiteraLivre, Philos, Ruido Manifesto e Subversa.
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atemporal
peço perdão toda vez que fecho os olhos
e consigo me desfazer da realidade
quando o ódio adormece
e os pássaros se fundem em metal pesado
e tinta amarela
quando a cantoria habitual
torna-se um ruído cortante
impossível de ser digerido
e meu pai incomodado desce da cruz
para discutirmos sobre aquele aluguel
que atrasei quando tinha
nove anos
de absolutamente,
nada.
*
vivas criaturas
no ônibus,
você escuta a conversa
e acha aceitável.
dois seres autênticos
um assunto
plausível
um ponto de vista
interessante
e então você se vira
e confirma: os pés ainda
não alcançam
ao chão.
*
receita de bomba caseira
deixe de trepar
deixe de se masturbar
deixe de fumar
deixe de beber
deixe de reclamar
alimente-se mal /
mal se alimente
– tanto faz? tente!
durma pouco
e tome muito café,
ou cuidado.
repetir até
explodir.
*
entre livros e litros
sirvo-me dos livros
como sirvo-me
dos litros, assim sendo
tenho alguns bons
amigos.
– pra não citar
Voltaire
*
fragmentos espaciais
não comprei
comida de gato
declarei falência
renal
dormi com a janela
em cima dos braços
abertos.
*
da natureza
recorto um jornal
afio uma faca
amarro um cadarço
pinto uma parede
e então percebo
que todos poemas
de alguma maneira
deveriam soar simples
assim.
*
pergunta quente
“então é assim
que começa o começo
do fim?” – me pergunta
o cigarro já em meus lábios
embora que ainda
apagado.
como responder
tal pergunta? não sei!
inicialmente brocho
e o cigarro pende
para baixo – obviamente
mas em seguida
minha mente ausente
se faz presente
tentando não soar doente
frente ao indagador
cigarro quente…
em vão, eu até tento mas
mais uma vez me calo
e o calo, fumando
-lhe até
o talo.