Sete poemas de Hera Marques
Hera Marques (@hera.marques) é cria de Imbariê, periferia do Rio de Janeiro. É escritora, poetisa, produtora cultural do FAIM-Festival de Artes em Imbariê e do Slam Poético. Graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, pela instituição desenvolve uma pesquisa sobre Literatura Marginal Periférica e descolonização do currículo literário escolar. Em suas produções, Hera busca relatar suas experiências enquanto uma mulher preta, periférica e bissexual em um mundo onde repudiam pessoas com essas características.
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Motivos
me perguntaram a razão pela qual eu ainda escrevo.
tenho tanta coisa pra falar,
desaguar,
tantas feridas para curar.
também acredito que há tanta gente para ouvir e sentir.
uso da escrita para conseguir dar voz às minhas feridas e assim encontrar a minha cura.
como terapia o verbo desfaz e refaz as minhas dores,
minhas verdades,
minhas dúvidas,
amores,
jornadas,
meu querer.
e é por isso que eu escrevo.
pois há muito para desaguar,
muito para falar
e muita gente pra ouvir.
*
Amor
Lista de coisas que representam o amor:
I – Casais apaixonados e de mãos dadas.
A mão de meu pai invade o rosto da minha mãe com força.
Me questiono: Isso é amor?
II – Um pai correndo com sua filha durante uma brincadeira.
Minha irmã não conhece seu pai. A voz do meu me causa medo.
Continuo a me questionar: Isso é amor?
III – Um homem e uma mulher durante um casamento.
Não quero me casar com um homem.
Ainda me questiono: Isso é amor?
IV – A imagem de uma sorrindo ao se olhar no espelho.
Quando vejo meu reflexo, ódio e dor transbordam de mim.
Tristeza me invade e questiono: Isso é amor?
V – Uma pessoa com um jaleco branco e outra com terno e maleta de couro.
Quero lápis e papel em minhas mãos.
Apenas questionamentos: isso é amor?
Definição de amor no dicionário:
a·mor |ô|
(latim amor, -oris)
substantivo masculino
1. Sentimento que induz a aproximar, a proteger ou a conservar a pessoa pela qual se sente afeição ou .atração;
2. Eu não sei o que é amor.
*
Sobre a fome
Ela tem cor,
Endereço,
Muitos nomes
E
Classe.
– A fome é preta, lá na favela é pobre.
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Lápis e papel
Sangue nos olhos
Fogo nas mãos
Deveria ser nos racistas
Infelizmente, ainda não.
Quando eu entendo que minha escrita
Faz um mover.
Que meus versos mostra à eles
Que eu sou
Um ser pensante.
Reivindico
Espaços,
Lugares &
Direitos
Que foram negados.
Quando eu entendo que meu dom
É uma bênção.
Graça ancestral.
Que minhas palavras,
Como Oyá
Fazem vendaval.
Escrever também é ato de resistência.
*
Doutrinação
Metade da laranja,
Cara metade,
Alma gêmea,
&
História de contos de fadas
É papo furado.
Meios que ensinam
que mulheres
Precisam ficar
Presas
Em relacionamentos ruins.
– sobre doutrinação.
*
Receita
1 homem negro
Todos os direitos de sobrevivência
1 arma
Toda a revolta que couber em alguém
Modo de preparo:
Pegue 1 homem negro, depois negue todos os direitos à eles. Adicione toda a revolta que couber em alguém, 1 arma em sua mão e está pronto.
– Receita da destruição
*
Sobre autocuidado
Eu ainda estou aprendendo a criar uma língua
Em que eu consiga expressar o tamanho da minha dor
E assim conseguir um remédio para a cura.
Eu ainda estou me ensinando,
Como quem ensina uma criança que insiste em colocar a forma quadrada no lugar da forma triangular
que o meu lado frágil e o meu lado escuro
Podem conviver juntos.
– sobre auto cuidado em dias não tão bons.