Sete poemas de Miriam Adelman em inglês, francês e português
Miriam Adelman nasceu, em 1955, em Milwaukee, Wisconsin (EUA). Aos 19 anos, encontrou seus primeiros caminhos “para o mundo”, indo para o México, onde permaneceu por 9 anos, dedicando-se, entre outras coisas, aos estudos em Sociologia na Universidad Nacional Autónoma de México. Mora em Curitiba, desde 1991, onde é professora da UFPR. Além de lecionar nos programas de pós-graduação em Sociologia e Estudos Literários dessa instituição, dedica-se às paixões literárias, à fotografia, ao feminismo e às atividades equestres. Seu primeiro livro de poemas, multilíngue, Found in translation, encontra-se no prelo e deve ser lançado ainda em 2020, pela nosotros, editorial. Seguem alguns poemas desta publicação, em autotradução.
***
My love for the world
is as simple as this calm Saturday
after the summer rain,
is soft as the soil that
seeping so much water
runs red and crumbly through
my hands.
Unread newspaper sprawls the
dining room table, waylaid by
the scratch of words to
friends stranded halfway around
a flickering globe. Evening
spreads its scant peace
through lingering dusk. Beyond
the visible horizon, there are still some
rutted paths, and reasons
to move on.
–
Meu amor pelo mundo é
simples como a calma de um sábado
depois da chuva de verão,
macio como a terra que de tanta água escorre
como um farelo vermelho entre minhas mãos.
Os jornais não lidos ocupam
a mesa inteira, abandonados
para que risque algumas palavras aos amigos
ilhados em algum canto deste globo de luzes
trêmulas. A noite unta uma escassa paz sobre o
entardecer vacilante. Para além do horizonte visível
restam alguns caminhos pedregosos
e alguns motivos para seguir em frente.
***
lost in translation
not really a poet
this girl
caught
between languages
and caught
também
in a speeding car
winding down
every now
and then
for a closer take
on the landscape.
what a life loses
or gains
in translation,
that
is
the
question…
–
lost in translation
pas vraiment une poète,
cette fille
prise
entre des langues
et prise
também
dans une voiture
qui roule trop vite
qui ralentit
de temps
en temps,
pour qu’elle puisse capturer
un peu de paysage.
Ce que la vie perd
ou gagne
en traduction,
voilà
la
question …
–
lost in translation
não é realmente poeta
esta moça
presa
entre línguas
e presa
as well
num veículo em alta velocidade
que apenas desacelera
de tempos
em tempos
para facilitar a vista da
paisagem.
O que uma vida perde
ou ganha
na tradução,
eis
a questão…
***
december
i.
the city opens its eyes on the day, the servers up early
with trays of ham too pink, cheese in thin orange
slices, coffee steaming from chipped goblets,
platters of crusted doughnuts. morning chatter dims
televised voices. fires on the screen. at the
crumpled margins of the heart there is a little
girl knocking with scruffy fists. she is gone before the
light changes. everyone munching their breakfast as if
nothing were coming to an end
ii.
we drive toward the border
where east and west touch gently
like the softest of fingertips.
there is something deep in the shallow
of your eyes and I move closer,
already knowing you, not the type
to be trusted. out on the plains
it is early winter, the bison
are scavenging. whatever
you imagine me to be, it
is unlike this long trail of
stories that brought me here. in
the clay and fire of an afternoon, i
wind slowly backwards
toward the center of
life
iii.
at the corner, & back on foot.
to return to the city is always
half heartbreak. pigeons
and peeling walls, a bus
spewing its tar out into
the crowd. desire for
beauty undoes us again
and again. a hoary morning
and something too sad to be
put to music. i cradle this
last gentle medicine to
my bosom, this sweet child
who has lost all chances
of survival.
–
dezembro
i.
a cidade abre seus olhos para o dia. no café,
garçonetes já vem com as bandejas, o presunto
vermelho demais, finas fatias de queijo alaranjado,
café em xícaras lascadas, travessas de rosquinhas
com crosta. as vozes na tevê são quase silenciadas
pela conversa matinal. passam incêndios na tela. às
margens amassadas do coração, uma janela onde bate
com punhos sujos uma garotinha. ela some antes do
sinaleiro mudar, todos mastigando sua refeição
como se nada estivesse a ponto de acabar.
ii.
dirigimos rumo à fronteira
onde leste e oeste se tocam mansamente
como as mais macias pontas de dedos.
percebo alguma coisa mais profunda
no raso dos seus olhos e me aproximo
– já te conheço, não é do tipo confiável.
nas planícies, o inverno já chegou, os
bisontes fuçam. seja como for que você
me imagina, não se parece com esta longa
trilha de histórias que me trouxeram até
aqui. no barro e fogo de uma tarde, inicio
meu lento meandro de volta
ao centro da vida.
iii.
na esquina, e novamente à pé.
retornar à cidade é sempre meio
coração rasgado. pombos e paredes
que descascam, ônibus que vomita
alcatrão nas multidões. o desejo
por beleza nos desfaz, uma e outra
vez. uma manhã envelhecida e
algo triste demais para musicar.
aninho este último remédio
suave no meu peito, doce criança
sem chance de sobreviver.