Sete poemas de Nydia Bonetti
Nydia Bonetti, 1958, engenheira civil. Escrevo para não enlouquecer — mais. Livros publicados: SUMI-Ê (2013), Editora Patuá; De Barro e Pedra (2017), Editora Urutau; Antologia Desvio para o vermelho (Treze poetas brasileiros contemporâneos) Coleção Poesia Viva/CCSP; Minimus Cantus, Projeto Instante Estante/Castelinho Edições; Tem poemas publicados na Revista Zunái, Mallarmargens, Germina e outras. Publicada na coletânea QASAÊD ILA FALASTIN (Poemas para Palestina/Selo ZUNAI, 80 balas, 80 poemas%20) e antologias diversas.
Blog: l o n g i t u d e s (Meus rascunhos, links e anotações diversas)
Os poemas abaixo compõem o livro inédito Dentro dos Olhos Uma Cidade.
***
Minha aldeia sob densa neblina.
O mundo tão longe.
*
Esta cidade se situa no centro
de uma fenda no tempo.
Nas janelas, há vultos de mulheres tristes
vestidas de negro
que ouvem “purple rain” ao entardecer.
E os sinos tocam
na torre da igreja que já ruiu.
*
Lisboa me faz lembrar meu velho avô António
que não conheci.
Lisboa em ti alguém caminhou
carregando meu sangue — talvez meus olhos.
Mas tudo se perdeu, porque tudo se perde
embora um fado
— trilha sonora de uma vida que não vivi —
insista em tocar
nas noites de insônia — estranhas e obscuras
como um delírio.
*
Sei que a cidade guarda relíquias ocultas.
Ossos de um cão que foi feliz.
Sonhos
e segredos dos homens.
Pedras
que enterrei menina (meu tesouro).
Sei que a cidade me guarda — e um dia
desta cidade serei chão.
*
Minuciosamente descreve teu lugar. É preciso.
Demarca todos os acidente naturais e artificiais
com exatidão.
Pontualmente dispõe
todos os objetos da superfície.
Esse representar no papel a configuração
dessa porção que é tua — é arte — atua!
Insere tua aldeia no mundo
e então descansa
sob este céu que é teu e que também aguarda
( há tanto tempo) tua cartografia particular.
*
Ando pela cidade desfigurada.
Já não sei mais quem somos.
(eu e a cidade)
*
Cinza como um rio que carrega detritos
que a cidade regurgita
amanhece o dia.
É o que se tem pra hoje — grita a metrópole
enquanto se contorce
na máquina de tortura que a estende
sem compaixão.