Sete poemas de Pietra Garcia
Pietra Garcia é catarinense, atriz, produtora e jornalista por formação. Escreve para reconectar suas partes esquecidas e dar voz à sua forma de ser mulher no mundo. Na área da comunicação atuou em assessoria de imprensa, rádio e produção. Foi apresentadora e produtora dos programas Viva Voz (2011) e Mix Cultural (2013-2014) da Rádio Univali FM e atuou como assessora de produção de duas edições do Festival Cultural da mesma instituição. É também uma das fundadoras da Karma Cia. de Teatro, na cidade de Itajaí/SC, grupo em que permaneceu até 2019. Atualmente, seus interesses transitam entre cinema, teatro e literatura.
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fotografia
na fotografia
o rosto é meu
a pele é minha
o sangue é meu
a carne é minha
sou um corpo em ruínas
cortada
quebrada
cansada
exposta.
14/06/19
sonhei que o mar me engoliu
um mar com múltiplas cores
gentes
formas
vozes
sonhei que o mar
revolto
molhou meus pés com esperança
respirei tranqüila
o sol parecia retornar
o sol brilha quando o mar
revolto
resiste
existe
é bom saber que esse mar também sou eu.
vida/ morte
justificam o sangue que escorre
na tela
da boca
no peito
mas condenam o sangue que escorre
nas pernas
pra vida.
corpos de argila
o homem estende as mãos calejadas com feridas abertas
os pés sujos de lama
ele volta para casa sem calçados e sem esperança
a mulher, sentada no tronco no meio do mato, chora
ela também tem os pés afundados na lama
seu corpo foi violado
os corpos, invadidos, são feitos de barro
os corpos são terra moldada pelo invasor
sem nome
sem identidade
sem futuro.
calada
selam tua boca
com ferro
fecham teus olhos
com belas palavras
palavras que escorrem
como lava
dos dedos
os homens não falam
de suas bocas
saem apenas grunhidos
com os dedos fecham teus olhos
com ferro em brasa selam tua boca
os homens não falam
só querem que você fique em silêncio.
anciã que sustenta meus pés
sou a criatura que caminha
sozinha
à noite
e com os pés
na grama
com a benção da lua
retorno à caverna
gosto do calor
e do aconchego
gosto da companhia
da alcateia
gosto de conversar
com o céu
estrelado
e correr
no ritmo do vento
e correr
junto à alcateia
junto aos meus
junto às minhas
de volta pra casa.
tubarões
um milhão e meio de gotas de água salgadas
uma gota de sangue
o predador fareja
– sangrou quando cortaram seus cabelos?
um milhão e meio de pessoas
o predador farejou seus quatro anos de pecado
– posso levar minha boneca?
– só se você deixar comigo seus cachos
ela saiu da sala estreita no colo
um colo grande, fardado, frio e orgulhoso
a boneca esperou na porta
as tiras de cabelo de trinta centímetros cada ficaram na sala estreita
encostada num pilar redondo, maior que a circunferência do seu corpo imaturo
Aparecida olha a janela, muito mais alta que ela
se tiver sorte vai sangrar de novo apenas pelas pernas, quando for a hora
num corpo maduro
e vivo
O predador grande, fardado, frio e orgulhoso agora pode dormir em paz
por muito tempo
o país está a salvo.