Sobre vento, medo e um punhado de concreto
Intenso e vestido de sublime, o vento passava intermitente varrendo minha grama e rasgando a preguiça do mormaço quente das tarde. Libertava as roupas do varal, e assanhado me lançava uma piscadela de canto de olho, derretendo uma carreta em pernas saltitantes. Era como se, por passatempo, quisesse me provocar e eu cheguei a correr alegremente atrás das peças de tecido que engatinhavam pelas gramas dos vizinhos. Por vezes, rindo e com as sobrancelhas erguidas, eu tentava explicar para os terrenos invadidos que, colocar um nariz vermelho na minha cara, era o passa tempo preferido do vento. Mas quem pode esmaecer feições hostis pondo a culpa em um punhado de invisível?
O vento, espiralando ameno, passava dentro do meu quintal, murmurando rasteiro para que eu arreganhasse as janelas e fingisse que era sempre cedo para qualquer compromisso. Insistente, ele seduzia minha pele até convencê-la a largar-se na grama, rendida e sorridente. Como se me quisesse ansiosa, ele assistia com um sorriso malandro os momentos a fio em que, colada à grama, eu cerrava meus olhos para sentir, nas minhas gordas bochechas, seu sopro gentil.
O vento cultivava minha vida pelo meu quintal, até que o medo, mais sólido, percebeu meus fundos, rompeu a cerca, e passou pela minha grama, enquanto o vento calado e na pachorra de um feriado alegre não compreendia.
Foi que então desenamorou-se o vento da minha grama, agora ornada de concreto, e só o percebo deslizando a cima dos meus braços estendidos nas pontas dos pés. Trocou minha pele pelas copas das árvores, faz voar as coisas todas que mudam de lugar umas com as outras. O vento, quem desejo sentada nessa cadeira olhando para o céu, não dá a mim seu tempo. Nele não cabem dúvidas, e ele não se veste de todas essas prudências que o medo, rompante e espaçoso, deixou no quintal, junto com um muro de chapisco.
Atrás do concreto e do lado de cá, nas manhãs penso no vento, coloco a cara para fora da janela esperando uma visita, rogando nos pensamentos para que ele desça e me conte sobre os dias que varia as roupas e os meus cabelos. Já nas noites, coloco os pés à dentro da porta, penso no medo possessivo e ressentido que arrombou minha janela, multiplicou-se e, áspero, foi-se correndo pela porta da frente.
Nos desenlaces dos dias, o medo, dei-o por criado, mas do vento não ganhei perdão. Esse, que metros a cima de mim se exibe, alumbra meus sentidos quando se diz irritado com a chuva, e intenso, quase derruba meu corpo nostálgico, à sua espera, em cima do muro. Ele insiste no não, toca-me raro por dó, mas não canso de aguardar por dias passados-futuros, em outros quintais, lento o tempo, de grama-vento-eu.