Tigresas da Patagônia – Por Carla Cunha
Na coluna mensal “Teia Labirinto” , Carla Cunha escreve sobre Literatura Erótica e Pornográfica. O nome da coluna nos remete à trama e aos caminhos enrodilhados que todos nós enfrentamos ao pensar na própria sexualidade. Nessa trajetória, pontos se conectam e produzem uma teia de informações sobre quem somos. Porém, às vezes, não encontramos o caminho e a sensação é como se estivéssemos num Labirinto.
Carla Cunha é paulista, escritora de Literatura Erótica e Pornográfica, mantém um blog com textos sobre o tema e em 2019 lançou Vermelho Infinito.
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Tigresas da Patagônia
Me bate na cara, Quipa! Depois me bate na bunda. Que isso, Ly? Você sabe que não gosto dessas coisas. Poxa, Quipa, estou morrendo de tesão, vem logo, bate. Não, de jeito nenhum, não sou adepto ao sadomasoquismo. Quem aqui disse sadomasoquismo? Estou falando de pegada forte, sexo selvagem, agarração firme, entende? Vamos, agora, vai, bate! Quero foder com tudo hoje.
Quipa permanece em pé, imóvel ao lado da cama, usa uma cueca azul cintilante com borda amarela, as pernas torneadas pela academia. Fixa em mim seu espanto, insisto, mas ele permanece em silêncio e cria um suspense excitante. Será que ele vem com tudo? Quipa é um perverso sexual, impossível não topar, pratica a devassidão desde o primeiro suspiro da manhã ao último segundo acordado. Sobre os sonhos de Quipa, não posso dizer nada, mas aposto que ele não passa uma noite sem se entregar aos apelos noturnos pornográficos. Safado! Preciso confessar, as loucuras de Quipa me conquistaram, sabe? Por isso, é de se admirar essa resistência, dias atrás apareceu aqui neurótico com a pandemia do Covid-19, parecia descontrolado, mas foi só eu mostrar os peitos para ele se entregar ao apelos da paixão, rsrsrs. Foi uma loucura, as cenas que ocorreram nessa sala daria um bom roteiro de filme pornô. Dos bons, hein? É verdade que Quipa disfarça muito bem. Acredito que caso uma mulher o encontre na fila da padaria da esquina, poderia dizer inocência. É do tipo safado recatado, sabe? E digo mais, depois do “Cinquenta tons de cinza”, o sadomasoquismo virou o grande clichê sexual do século XXI. É moda até nas tardes de bingo da terceira idade. Sinceramente, não consigo entender o moralismo repentino de Quipa. Juro!, pensei que ele iria adorar minha submissão na cama, dar uns tabefes e agitar um pouco essa vida pacata de isolamento na cidade que um dia foi a mais badalada da América Latina. Posso dizer a verdade? Provavelmente Quipa não quer mais ficar comigo. Perdeu o interesse, desmotivou, sei lá, paixão de pandemia, desencanou. Aliso a renda do sutiã em ato de desespero, puxo o elástico vermelho das alças, insinuando desejo por ele. Nem adianta, Ly, não vou bater em você. Hoje quero romantismo, dizer que você é uma princesa. Quê? Princesa? Não é isso que quero, Quipa. Olha só, deixa eu explicar, o fato de você me pegar forte não quer dizer que não possa ser legal comigo o resto do tempo, sabe? Não, não vou bater, o máximo que posso fazer é te chamar de louca. Louca? Louca não é putaria, não é ousar. Por favor Quipa, você está me tirando do sério.
Começo a pensar que Quipa faz isso de propósito para me deixar confusa. Esfrego a renda da calcinha, num gesto totalmente erótico. Ele não esboça nenhuma reação. Os lábios cerrados, não pisca, um único fio de cabelo nem se mexe. Tutancâmon dos infernos! Bate em mim, Quipa, bate! Não vou bater Ly, para com isso. Nem adianta. (Que saco, juro, tem alguma coisa que não fecha nessa história, não é possível, toda vez que transamos agora é um suplicio, alguém sabe se o coronavírus dá lerdeza sexual?). Vem cá Princesa. Não, Quipa, para de me tratar como mulherzinha. Você vai colocar todo o nosso relacionamento fora. Não seja burro.
Penso intrigada, quem sabe agora com as regras de isolamento mais flexíveis, encontrou outra mulher? Deve ser isso. Típico, nada a declarar. Quipa está no agito de novo. Aqui o sangue, foi o sangue desgovernado que entrou em velocidade absurda nos meus vasos do braço e impulsionou de forma involuntária a minha mão. Dei um tapa na cara do Quipa. A cabeça do homem virou, o estrondo estridente da palma da mão na pele da bochecha foi assustador. Fiquei com medo da reação dele, mas não foi possível lidar com a apatia alheia, sobretudo, quando estou fervendo em brasas na vontade de um orgasmo. Quipa permaneceu com o rosto para o outro lado, num tempo que jamais poderia calcular. Esperei. Quipa começou a voltar, o queixo torcendo para o meu lado. Logo ele fixaria em mim novamente e, então, eu saberia qual a reação de Quipa. Ele por fim me olha. Uma onda de pavor avança sobre mim. Sei que fui longe demais, sei que não deveria bater na cara de um parceiro sem antes perguntar o que pensa sobre sadismo, mas como já disse, foi totalmente involuntário. Simplesmente, no calor da hora, na emoção, aconteceu. Agora, capaz de Quipa se revoltar, tantos feminicídios por aí, vai saber como o homem vai interpretar essa cena erótica? Pode achar desaforo, não entender que se trata de uma cena entre quatro paredes, levar para o pessoal, o que em absoluto não tem nada a ver, quero apenas foder com selvageria. É apenas o meu desejo, nada com ele. Então Quipa, sem nenhuma expressão de raiva, por fim, me diz: Bate de novo, bate. Escuto tais palavras desacreditada. Agora sou eu que não me mexo, não sei o que dizer, nem pensar. Levanto a mão na cara de Quipa e dou um outro tapa, dessa vez mais forte, soltando todos os meus músculos do braço. Ele me diz, fala minha tigresa, o que você quer de mim? Tigresa? Pergunto. Que isso, Quipa? Você é a minha selvagem, vem cá, me domina, vem. Não é isso que você quer? Não digo nada, melhor aproveitar o que tenho.
Quipa se atira na cama, arranco a cueca dele e monto, enfio seu pau endurecido em mim e começo a imaginar, eu cavalgando num tigre em direção à Patagônia. Talvez não tenha tigres na Patagônia, pouco importa. Sinto o vento gelado embaraçando meus cabelos, o toque sedoso da pele massagear minhas coxas, movimento o corpo sobre as coxas de Quipa. Ele me pede para dar chicotadas nele, “me chicoteia, minha tigresa”. Com a mão mesmo bato nas pernas de Quipa, na expectativa de chegar mais rápido. Patagônia, aí vou eu! Salto em altura inimaginável, num galope que me transporta para as geleiras argentinas. Depois fico em pé na cama, de pernas afastadas, sobre Quipa. Levo a minha boceta em direção a cara de Quipa. Quer carne vermelha, Quipa? Carne pulsando, fresquinha, quer? Ele põe a língua para fora da boca e eu levo ao seu encontro a minha boceta, esfrego-me na cara dele, lambuzo a pele do seu rosto com meus líquidos, meu cheiro selvagem de tigresa. Quipa enlouquece, me chupa estalando os lábios, enrola a língua no clítoris, abraça as minhas coxas e me puxa ainda mais para dentro dele. Eu me seguro na cabeceira da cama, à minha frente, numa parede branca, vejo o gelo da Patagônia a me queimar. Estou já pingando, mas jamais pararia essa viagem. Rumo ao sul. Vai Quipa, me leva, sabe? Na boceta, mil pontos começam a formigar. Toda a minha energia se volta ao clitóris, eu relaxo. Por fim, sinto a língua de Quipa acionar o gatilho para liberar o fluxo de desejo concentrado. Uma explosão, e a sensação orgástica se espalhar da minha boceta para todas as direções do meu corpo. Uma onda elétrica abrisse num círculo e toma as camadas mais externas dos membros. Dou um grito: Quipa, tigre. Lambe mais!
As pernas exaustas trêmulas esticam-se, o suor escorre do pescoço por entre os seios. Quipa desliza por entre as minhas pernas, agora atrás de mim, dá um tapa na minha bunda. Eu me viro e pergunto: “Poxa, Quipa, por que demorou tanto?”
(Ilustração de capa: Fernanda Bienhachewski).