Três poemas de Antonio P. Pacheco
Formado em Comunicação Social e Jornalismo pela Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil, Antonio P. Pacheco é poeta, escritor e roteirista. Desde 1978 vem forjando uma sólida carreira literária. Tem publicados os livros O Universo no Espelho, Aqueles Outros e Suas Versões das Histórias, Carlini&Caniato, 2021; Versos Náufragos em Rio Sem Margens/Versos Náufragos em Rio Sin Margenes, Carlini&Caniato, 2019, edição bilíngue Português/Espanhol, Punhal de Dois Gumes, 1994 e Retalhos, 1984, ambos pela Edições Uirá. Integrou a antologia Poetas do Café das 4, Editora Grafite, 2006; e lançou em 2018, em autopublicação, o encarte especial Versos Esparços, (S/Ed.). Tem ainda publicado contos e crônicas em revistas e jornais, bem como em seu blog pessoal, Penca Literária e na sua página do portal Recanto das Letras.
O autor milita nas artes literárias desde a adolescência. É membro fundador do coletivo literário União dos Poetas do Médio Araguaia (Unpoema), que reúne poetas e escritores do Vale do Araguaia desde 1984. Com uma ativa presença nas redes sociais, onde também publica seus trabalhos, o autor integra ainda a Rede de Escritores da América do Latina (Real), coletivo virtual que aglutina autores do Brasil, Uruguai, Paraguai, Argentina, Chile, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Equador, Cuba e México.
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Meu encontro com Drummond em Copacabana
Rio de Janeiro, Agosto de 2019
Olá, como vai, Carlos?
Oitenta por cento de ferro nas almas
O que andas pensando, bardo itabirano?
[Que] Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
É, os insensíveis atravancaram nosso mais belo destino.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
Pois é. Agora é tarde, só nos resta crer no amor e lutar pela vida.
Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
De fato, já não há tempo pra sermos meninos…
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.
Mas, estamos ficando velhos, Carlos!
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
E nisso concordamos, poeta.
Um silêncio de bronze e maresia
Entre nós se ergueu.
As palavras foram levadas pelo vento
E engolidas pelo mar como gotas da chuva.
Restou na praia a memória em farrapos
Dos versos d’ele [ e dos meus]
Que nunca serão escritos.
Me levantei do banco e me afastei
Cabisbaixo, passos relutantes e lentos.
Só em casa me lembrei
Não mostrei ao Drummond
Meu livro de versos que levava nas mãos.
Fica pra uma próxima, caro Carlos. Talvez.
*
Morfeu insone
Cuiabá, Junho 2020
Há um azedume na atmosfera que nos rodeia
Tudo tingido com cores de incredulidade e descaso
Já não se respira o ar terno
Das esperanças matutinas
Nem à face roça o hálito fresco das alegrias ingênuas.
Quisera o sol que ora nos queima e desidrata
Fosse o raiar de um novo amanhã festivo de maio
E as nuvens voltassem a se fantasiarem como figuras mágicas
Sob este céu que agoniza em tempestades tóxicas.
Mesmo antes do anoitecer
Já se ouve o tropel dos pesadelos
Que escaparam das masmorras
Sob as vistas de um Morfeu insone.
O coração calou-se e não se encanta
Ao soar de canções românticas
E aquelas flores de antes foram plastificadas
Pela ganância dos jardineiros àvaros.
Os versos que escrevo são estes espantalhos
Que me brotam dos dedos esquálidos
Exalam de seu cerne apenas fel e lágrimas
Desprovidos de qualquer beleza
Espelham na lama que escorre nas sarjetas
Sua orfandade de extintas delicadezas.
*
Triunfo
Cuiabá, Agosto,2020.
Onde meus olhos alcançam
Estendem-se as ruínas dos sonhos infantes
Consumidos no desespero das horas insanas
Em que lobos vorazes
Devoram no coração da gente
Os rebentos da esperança.
Inconsequentes e desatentos,
Não vimos que o tempo de semear amores passou
Com a última aragem das madrugadas inocentes.
Nossas mãos, avaras e egoístas,
Desfizeram os nós da humana irmandade
Quando a coragem saltou a janela
Fugindo ao primeiro ladrar dos cães em nossas portas.
Não eram fantasmas que marchavam nas ruas
Eram os coturnos dos soldados do passado
Invasores do agora, íncubos das almas débeis.
Na boca, os beijos viraram lembranças distantes.
O gosto da saliva é amargo e ácido
Como as palavras neste poema que arde,
Labaredas de um holocausto pagão
Oferenda aos deuses ingênuos
Assassinados pelo ódio sorrateiro.
Tudo que fomos se dissolveu
Como o primeiro sincelo de maio
Como as efêmeras paixões em tempos de paz,
O eterno é uma miragem nas auroras adolescentes.
Ainda assim, é do homem o destino de sobreviver
Ao caos de si mesmo.
Mesmo que seja abissal a incerteza
Mesmo que seja o desespero mais que imenso
Mesmo que sejam as guerras apocalípticas
A alegria da vida humana
Haverá de triunfar sobre o que é agora
No coração da gente
Trevas, tristeza e mau presente.