Três poemas de Augusto César
Augusto César é mineiro de Araxá, tendo nascido em 1997. Vive atualmente em Curitiba. Acadêmico de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Jovem Embaixador, 2014. Fundador do Medfulness, e presidente da Liga Acadêmica de Genética Médica da UFPR e do EAT Brazil/UFPR. Tradutor e divulgador da poesia de Jotie T’Hooft. Administrador da página: “Clarice Lispector: Obra e História” e promotor do evento “Clarice Lispector e a Bruxaria do Jardim Botânico”. Recém publicado na R. Nott Magazine pelo “Ensaio dionisíaco sobre a morte de uma cigarra” e na Revista Plástico Bolha por “Empedernização do Eu”.
***
Afluxo
Desenhei um guia
uma espécie de bússola
de forma tão sinuosa
como o cerrado plagia
os seus lábios
Precisava urgentemente saber
do rumo nordestino
que os seus pés tomaram
tanto em ares
como em estradas
Aqui perto de mim
nasce o São Francisco…
Se acaso eu me doar
aos ventos e às águas,
deixa-me desaguar
nos vórtices
do seu mar?
Suplico-o:
diga-me agora
a latitude da falésia
que o circunda
e me faça fogo,
para que sua fumaça crua
guie-me na busca
pela saliva
que matará a sede
severina do meu desejo.
*
Eletrodo de sacrifício
“Amar os outros é a forma mais pura
de ingenuidade e delírio.”
a mente corrói
o que o corpo abriga
o de dentro é um bicho
que quando não acariciado
entrega-se ao desamparo
e se auto-oxida.
quero devorar cada partícula
da légion étrangère
que sacrifica estranhamente
o que me é extra
por puro desprezo e fascínio,
como uma esfinge
que me guarda e me rege
o âmago fundamental
o eu é:
o cão que morde e ladra
o cão que ladra e morde
— egoico —
não me surpreende que
na manhã de ontem
acordei com taquicardia
e com formigas subcutâneas
na palma da mão,
desvendando entrelinhas
como a quiromancia maldita
não dita, e eu sei:
não quero uma linha de vida…
sempre quis voar!
o corpo colapsado
está em febre e sua frio
não sobrevive ereto
e expurga o lixo
:: ambul(ânsia) ::
não me abra a porta
proibido entrada de estranhos
por motivo algum
toda noite meu sangue
é possuído pelo vampiro
que emerge obsceno
do liquor de beladona,
enclausurando mil e uma
almas lodosas
em devir profundo.
salvaram-me pelo olhar estrangeiro
com oito eletrodos sobre o gel
em meio as cerdas do meu peito
a quem interessa
postergar minha morte?
para quê?
o que deseja o querubim lácteo
que me carregou
tremulamente em seus braços?
por um momento eu quis
mergulhar em seus lábios
mas em minha veia corre o pecado
e naquela manhã eu não merecia
sentir nada pelo querubim
que protegia o mundo do perigo
que habita em mim.
*
Microeconomia do querer
todas as mentes do meu tempo
são incapazes de produzir
toda a neurofisiologia necessária
à assimetria de informações do mundo
a racionalidade limitada opera a
favor dos dardos mais viciados
a economia é tão cética
como o meu último namorado
o que há afinal de diferente
entre o amor e o negócio?
Ilusão
oportunismo ex-ante
seleção adversa
Cremos em mais detalhes do
que realmente existem.
Love is negotiable!
Acredita-se no ser único vide
a produção ostensiva de estranhezas…
o grande outro é o único elo possível
diante da nossa fragilidade
Às vezes, a publicidade é tão maldita
que nos venda e se torna o deus
nunca mais substituível
Houve casos de pessoas que morreram
devido à manipulação dos custos de transação
A doutora disse: morre-se também
pela grande oferta quando é alto o
ris⊄o
Não é que granja não me remete
mais a galinhas:
de s
ver
in loco: integração vertical
soube ultimamente de sua vontade incansável
de transcender o monopólio bilateral
e atingir o âmago da transformação fundamental
poderíamos ter feito da natureza do nosso contrato
um conjunto de cláusulas condicionais
mas é que o homem é um ativo de alta complexidade
O que é o sujeito, senão em relação ao outro?
Aírton josé de souza
Já conhecia um pouco do trabalho do Augusto e agora percebo que cada vez mais ele se torna íntimo das palavras. Ele trava com elas uma relação de cumplicidade inimaginável e elas se tornam as embaixadoras do pensamento dele, da sua sensibilidade e da sua capacidade de ir além das próprias palavras. Salve novíssimo poeta! Estamos sempre à espreita de seus textos para que possamos ter novas visões sobre as coisas, sobre as pessoas…