Três poemas de Brenda Sodré
Brenda Sodré (1995) nasceu no dia da mentira, esse corpo aqui é uma autoironia. bacharel em artes cênicas e reside atualmente em São Paulo – SP, escreve e só sabe falar de fogo, estalo. dentro do corpo: paisagens de guerra.
***
O DIA EM QUE DESAPARECI
eu buscava algo e foi assim que aconteceu
me apalpava e sentia nada
duvidei ter um coração
pesquisava o pulso, pescoço
o peito esquerdo, o centro do tórax
e ouvia um silêncio
depois as enfermeiras reclamando
das veias finíssimas
e antes o meu nascimento no dia da mentira
pode acontecer com qualquer um
uma faca atravessa o fogo e nada acontece ao fogo
uma bala atravessa o fogo e nada acontece ao fogo
por que eu deveria ter medo?
teve esse homem que dava pra sentir o coração
em qualquer lugar que tocasse
e isso não quer dizer nada
ele é igual a todos os homens
ou quando dormi com essa mulher e tudo era uma noite vazia
dolorosamente branca correndo sozinha
cuspindo um nome montada num bode chamado maremoto
o tio-avô mijando na porta do quarto
porque de repente passou um furacão na cabeça
e nada
o tio-avô esquecendo o próprio nome
é que passou um furacão aqui
onde as memórias são desovadas
como quando roubei o jetski do teu pai e rasguei o mar
deixando o rastro de fogo suspenso que é o meu cabelo vermelho até cochabamba
tendo como testemunhas:
1. pachamama
2. os dólares escapando pela beirada da carteira
3. os focos de incêndio em alto-mar
4. o mijo escorrendo pelas pernas
5. duas águas-vivas dentro do molotov
foi assim que eu te encontrei
você diria se não estivesse perdido
*
HUÁNGUÉ
se a chinesa fu tivesse
as minhas mãos ao seu alcance
diria que mamãe não lembra do dia
da minha morte
a voz infantil na fita k7
o espanto se esquivando da pergunta
se ao menos eu soubesse
que já fui um ganso de cabeça listrada
a nove mil metros de altura
você não me alcançaria
se eu tivesse mãos
não ofereceria as linhas à chinesa fu
tenho medo que ela descubra
que não fui um deus esculpido em arenito rosa
realmente muito bonito
coisa de se ajoelhar aos pés
se as minhas mãos soubessem o futuro
o reflexo do meu corpo nas margens do yellow river
é uma paisagem frequente
meu príncipe chegando montado num
cavalinho de madeira
eu sonho tão pouco
você está sempre indo embora
*
UMA MULHER NÃO É UM CARRO
nem aqui sou capaz
de abandonar o arsenal de armas
entre os dentes
eu sei o que você sabe que isso
quer dizer eu sei o que isso
quer dizer
uma mulher não é um carro
banco confortável, trezentos cavalos
está claro quem dá aquele drift com as mãos
flutuando sobre o volante
toma cuidado
uma mulher é o cavalinho de pau levantando poeira
aerodinâmica, veloz