Três poemas de Bruno Gavranic
Bruno Gavranic, 33 anos, é natural de Araraquara, interior de SP, e mora na capital. Além de poeta é ator, dramaturgo e pesquisador de teatro e cinema norte-americano pela FFLCH/USP. Como professor, coordena grupos de teatro na Cultura Inglesa. Lançou em 2018 o ebook Uma Borboleta no Caos: poesia urbana. Os três poemas apresentados aqui compõem o livro Um Corpo Estranho Atravessando o Fim do Mundo, que será publicado em 2019 pela Editora Urutau.
***
Viral
Quando morrer vou deixar,
compartilhem,
vestígios publicados
dados.
Acessem minhas preferências,
comentem as referências,
reajam à minha vida:
curtidas,
poses, looks, objetos
pés, a cara exposta numa nude,
o sexo nas fotos de perfil em rede,
selfies.
Um close espontâneo
num monumento paulistano
com o olhar comovido
medido.
Hashtaguem minha língua aos pedaços,
desfaçam meus olhos pixelados,
viralizem meus nomes, me amem,
memes.
Os dedos espalhei em toques,
testes,
e likes
por aí.
O corpo desaparece hoje,
a imagem permanece em .gif
e a mente, o sentimento e o coração,
emojis.
*
Elogio ao Ódio
Não nos sendo mais socialmente recomendado
fazer uso de qualquer outro estímulo,
usemos o ódio.
Mesmo que sem razão ou motivo
a ordem é não resistir:
sinta-o.
Permita que o ódio altere
a sensação térmica do seu corpo
e coordene a pulsação rítmica do seu coração,
que ele bombeie seu sangue até estourar as têmporas,
os tímpanos e os miolos de quem cruzar
o rastro de ignorância de seu ódio.
Sinta sempre o seu ódio. Não o reprima.
Nem descrimine qualquer possível
objeto de desejo para esse sentimento,
seja gente, bicho ou patrimônio,
seja contrário ou favorável às suas ideias,
não importa, pois, ideias são as barreiras
menos resistentes à eficácia do seu ódio.
Não enfraqueça a força desse impulso
nem permaneça impassivo à sua fluência.
Odeie, apenas, simplesmente e sem fim.
Odeie até o ponto em que, enfim,
seu ódio se volte contra você e,
tomado de cólera e repúdio
à sua própria imagem no espelho,
você se permita destruir a si mesmo
de puro ódio por não ter escolhido a tempo
seguir o conselho de um outro sentimento.
Torça para que você tenha esse tempo.
Pois é muito provável que alguém,
movido pelo mesmo ódio que te anima
ou até mesmo inspirado
pelas palavras que o seu ódio destila
se permita, sem qualquer razão, causa ou objetivo
te destruir violentamente
pelo simples motivo de poder também
expressar o próprio ódio livremente.
*
O Monstro
Hoje, enfim, serei o monstro.
Saúdo em mim essa aberração de comportamento
que por tanto tempo foi gestada sob a capa de brandura e aceitação.
Aceito, por fim, o temível, o abominável, o outro bárbaro
que é, afinal, o mais natural dentro de mim.
Eu solto um rugido estranho enquanto alimento minha cabeça faminta
e vomito o coração enodoado sobre todos.
Não mais a gentileza resignada, a sublimação, a cordura
ou nenhuma outra capa de gordura me esconderão:
sou de aparência estranha, polissexual e feiticeiro
de cor rubra, libertário e fetichista
e minha posição na vida é a de artista.
Entre a esquerda e a direita o meu caminho é torto,
aquele que não é vislumbrado facilmente por quem está no meio.
A vocês que se assustam, choram e pedem socorro
às autoridades, às forças policias e institucionais
e aos seus papais
eu olho com ternura e digo:
Não chorem e nem julguem esse amigo,
pois é assim que posso ser, mais do que nunca,
um homem completamente cordial,
ao resolver mostrar-me como sou inteiramente
e tratar-te como um igual, a quem reconheço o privilégio da diferença.
Meu monstro absoluto não morde, mas também não beija.
Ele oferece a mão num cumprimento forte e caloroso
que espera ser retribuído com tanta força quanto,
mas não pelo carinho convencional que você oferece aos seus “queridos”
e sim pelo comprimento pavoroso do seu próprio monstro pessoal.
Só assim seremos finalmente livres, bons e selvagens
porque o mais das situações de “Oi”, “Como vai?” e “Passar bem”
são miragens de uma civilidade entre senhor e vassalagem
que em tempos como os nossos, honestamente, não mais caem bem.