Três poemas de Fábio Pessanha
Fábio Pessanha é poeta, doutor em Teoria Literária e mestre em Poética, ambos pela UFRJ. É autor do livro A hermenêutica do mar – Um estudo sobre a poética de Virgílio de Lemos e coorganizador do livro Poética e diálogo: caminhos de pensamento. Assina a coluna “palavra: alucinógeno” (https://viciovelho.com/palavra-alucinogeno) na Revista Vício Velho, além de participar como ensaísta em outros livros e periódicos.
***
a gente anda por aí
e ouve o que nos atravessa. as mãos
seguram firme a quentura bruta das formas
e elevam
o ponto ígneo da luz,
essa que ilumina
o tato fugidio dos nomes.
chamam-me fábio,
e nisso se integra a ventura
de se ter no peito o repetido
das vozes
de todos os que foram
meu nome
antes de mim.
meu nome,
uma cidade erguida numa
sociedade de tantos eus,
as línguas falam alto
nos ouvidos não nascidos,
excedem a silhueta dos
corpos mais estranhamente
surdos.
é mesmo uma estranheza
dar as mãos a um corpo
que se confunde
com as próprias roupas!
é uma inconsequência cair
de braços abertos e agarrar
os joelhos
como se fossem o cântico
de um país ainda não
gerado.
digo as dúvidas que me tocam a pele.
exagero o fim da luz que me esquece
com os pés nalgum lugar escuro,
desejando apenas
que amanhã seja
a véspera
daquele dia
em que
flores
foram
um surto
de megalomania.
rearranjo o alvo sem perder de vista o eco que replica o oco
do meu estômago narcisista.
é de espelhos que falamos todo o tempo. a imagem
é fingida em diversas alteridades.
as bocas repetem meu nome
e me inventam a cada vez que me chamam.
uma identidade construída sobre o acervo
de
muitos
eus.
há bastante gente aqui dentro,
encruzilhadas se atravessam
numa cartografia alimentada
por pernas avessas ao rumo
das coxas. calcanhares
se batem numa sinfonia
espasmódica. o silêncio
se torna sujo de palavras
inconcebíveis.
o nome é uma palavra inconcebível.
não admito ser identificado
pelo que se vê do que não digo.
não respondo por aquilo
que sabem sobre mim.
porque não sabem
nem sobre nada
nem sobre mim
arrisco uma invenção
que anda no chão de cada
voz que fala.
arrisco ser o que se cala
nessa voz que chama
e queima.
*
dedicatória
para as coisas que não existem e aparecem,
e aparecem por não existirem. para as coisas
invocadas desde o nome, desde o silêncio
que a tudo pertence e incorpora. para o poema,
que paira no corpo sonoro do infinito, prestes
a ser colhido numa escuta, prestes a ser
revelado na palavra que pergunta.
*
desenhar todo o improvável
nas costas do imprevisível,
o quanto possível fosse
prever a palavra dessas
letras, o ruído desse
silêncio. correr com as mãos
atadas e violar
qualquer lei termodinâmica
que me impeça de sentir
o calor das mudas trevas,
e apenas querer o límpido
barulho de poeira entre
os dedos. riscar até
o mais fino traço o equívoco
presente nos seres, esse
engano que afronta a luz
do sol nas palmas silentes.
inventar um céu em que
todas as estrelas sejam
mortais e que as nuvens se
desfaçam como o cordeiro
próximo ao abate. ser
com toda voz, a pior
das melhores, calar como
se nunca houvesse vez para
dizer que existimos quando
trancamos os cílios e
vivemos muitas cegueiras.
stefani
oLÁ!!! De quais livros do pessanha foram retiradas as poesias? o texto não diz e fiquei interessada.