Três poemas de Felipe Teodoro
Felipe Teodoro (1993, Ponta Grossa/PR) é professor de Português e mestrando em Linguagens (UEPG), tem textos publicados em diversas antologias nacionais e nas revistas literárias Vacatussa, Revista Gueto e Literatura & Fechadura. Os três poemas selecionados fazem parte do seu livro de estreia Onde os Pássaros Cantam Doentes (Editora Fractal), com publicação prevista para o segundo semestre de 2018. Contato: (felipets9@hotmail.com).
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1
peixes de pedra
——–cortam ondas
de sono inquieto
enquanto corpos
——–ardem no frio
da madrugada
caixas de papelão
são jangadas
de madeira
podre
——–no cruel mar
urbano
na ponta dos
——–lábios ressecados de
homens & mulheres
à deriva
se afoga a vida
e a miséria
——–transborda
em murmúrios.
— náufragos.
*
2
feito um personagem
do Tarkovsky
o homem juntando
reciclável
carrega consigo
entre cada gesto
expressão e palavra
———————–[dita a si mesmo]
uma garoa de abismos
gordas gotas de silêncio
*
3
na esquina um corpo sem vida
e ao seu lado um grande cão negro
como se tivesse saído direto
daquele conto do Durrenmatt
o animal assim que me viu
chamou meu nome e disse:
felipe, você tem que olhar
por pelo menos dez minutos
as vísceras espelhadas pelo concreto
sentir por pelo menos dez minutos
o sangue que lava essas pedras antigas
e tocar por pelo menos dez minutos
o peito inerte desse homem sem nome
e eu encosto minha mão no cadáver
e o peito é feito pedra dura
e a calçada pulsa [respira]
ou é o sangue me enganando
distorcendo minha visão
felipe, você tem que ouvir
por dez minutos o som que a morte faz
encosta teu ouvido e ouve
encosta teu corpo no dele e ouve
agora entende?
perguntou o cão negro
e eu não tinha coragem
pra ter voz.
vê que depois da morte
só fica esse vazio silencioso
dá pra sentir o vazio na boca do estômago
não dá?
um buraco. um buraco negro.
um buraco dentro de você.
dentro da gente.
engolindo. devagar.
comendo aos poucos.
corroendo aos poucos
e eu mudo
petrificado
fiquei ali ao lado
do cão negro com seus olhos pesados