Três poemas de Ithalo Furtado
Ithalo Furtado: Possui três livros publicados – Uma pedra em cada por enquanto, Dolores (e os remédios pra dormir) e Móveis empoeirados no peito, o mais recente. Seu trabalho sugere novas possibilidades de contar a mesma história e cria um ambiente transmídia que envolve outras formas de arte como música, cinema, fotografia e artes visuais. É idealizador do projeto colaborativo Carnavalhame e há quase 1 ano desenvolve a intervenção urbana Escuto Histórias, Escrevo Poemas, onde transforma as histórias das pessoas nas ruas em poesia.
Todos os poemas pertencem ao meu terceiro livro Móveis empoeirados no peito que sairá pela Editora Patuá em 2020.
***
pedagogia dos homens medíocres
fui educado por uma
demora matinal no mercado
uma demora nunca explicada
mas que parecia comum
eu tinha cinco anos
e ganhava chocolates
fui educado por um silêncio
repentino no almoço
bastava que ouvissem meus passos
mas os olhos seguiam atentos
a mesa farta
não só
fui educado por uma cartela
sempre incompleta de comprimidos
ficava olhando os buraquinhos
que faltavam preencher
perguntava à minha mãe
suas mãos vibravam
fui educado por rodas de dominó
ossos estalando no ferro medíocre
e as mulheres sujas de derrubar
seus falsos impérios todo dia
cada família silenciosamente era
uma decadente monarquia
*
I
há um nome que é só teu
ecoando em mim
como os catalães ecoam seus gritos
de liberdade
ninguém mais atenderá
esse chamado
o fim é também o fim
de um mundo íntimo
o incêndio de alguns vocábulos
II
choro na calçada
porque não quero que me vejas
mas você apagou todas as luzes
e desligou o gás após a fome?
você cumpriu todas as metas
da semana?
choro na calçada
porque não quero que vejas
que me preocupo
*
corro entre homens que não me atravessam
corro entre homens
que não me atravessam
todo o peso da voz dos credores
nas costas o riso per capita
anunciando meu despejo
boletos amontoados
na porta maçãs apodrecendo
na fruteira improvisada
corro entre homens
que não me atravessam
a cena inicial de um filme
de bergman silêncio e faces
retorcidas você me cobra
aquele dia no bar cajuína
o único bar que ainda toca ramones
sem sentir vergonha te pedi um pouco
de cerveja e agora é também tua
a ordem de despejo
corro entre homens
que não me atravessam
e é provável que eu morra
antes das dez
ou das seis e trinta
não me importa como
we can’t stop the dancing chicken
tudo é possível
um amor pós-industrial
a taquicardia do quase
uma calçada cheirando à
lavanda
em meio a tanto
Walter Muller
Que denso e Delicioso Cheiro De Novidade e Frescor!Na Linha De Nossos Tempos Trágicos e Urgentes!