Três poemas de Maiky da Silva
Maiky da Silva nasceu em Cansanção, interior da Bahia, em 1996. Deu seus primeiros passos na literatura publicando o livro de poemas Coro Infante ao Pássaro (2018) e o romance A primavera que caço é um mar (2018), além de poemas e textos esparsos, como a novela Risco Escuro na Claridade (2018), materiais inteiramente publicados de forma independente. Atualmente, reside em Feira de Santana, Bahia, onde cursa Letras na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).
Os poemas a seguir são do livro Ave, Eva! Ecce Homo, lançado pela Editora Urutau, 2019.
***
[…]
inadvertidamente humano
animal
de capital em capital, talvez seja eu também um dia um anjo
desses dessas propagandas
talvez eu vença o burguês
talvez eu vire o homão
rindo da revolução
ignorando as mensagens que brotam na minha mente angelical
curvando-me também, com toda minha serventia, ah, mamon!
ave, tu!
que tens a carne do meu reflexo
tara por minha cara
sede do meu sangue
aceitarei eu, também, quem sabe
quando sentir meu rosto belo e divino
sentindo-me iluminado
se iluminado, iluminador
supremo capacitado
pontífice extasiado
revolucionário
à revelação
: a própria revolução, eis-me.
abre-me um ego
e ajustar-me-ei
faze-me num cego
e rever-me-ei
solucionado
sem revolta
resignado
não serei teu aborto que expulsas pela boca agora
tornar-me-ei também óleo
resina para a engrenagem da mecânica do meu tempo
servo sem serventia
poema sem poesia
fétida vogal para meu tempo de merdas
*
⌛
Quisera eu ser sem nenhuma geografia
Como o pássaro que voa sem geometria
Como o sorriso se faz sem medir espaço
Como a ingenuidade da ovelha assassina
Quisera eu ser sem parentes de sangue
Chamar de filhos cada poema não meu
Chamar de pai aquela sólida construção
Chamar de irmão uma onda mais violenta
Quisera eu ser sem traço nenhum de amor
Render-me fácil à severidade da paixão
Dançar caliente mesmo em frente ao canhão
Quisera eu não ser sequer eu mesmo
E ser, sim, todos que agora riem na sala
E ser, sim, um ninguém a mergulhar num não
*
[…]
emerge do nada um carcará
pega em plena fome a sonsidão
cópia fajuta de peixinho de estimação
e a extingue
que resta? agora?
como e bebo.
como se fosse eu uma cria do grande
falcãozinho, cópia de lorde, dom,
de príncipe,
de escória,
desarmonia, da ordem, a poesia
não fosse arte, e não teria graça
não fosse teatro,
e não se precisaria de máscara
e que graça teria estar no palco
e não fazer graça
expressões fajutas
como e bebo.
é caríssimo.
é de graça.
a perna quebrada, decrépita, vermes do sucesso.
vale-me um epitáfio soberbíssimo.
vou matar os mortos de inveja, meus coleguinhas perdidos.
viva la vida
black friday contínua
falsa
é tudo tão caro
é tudo de graça
é só sentar e comer
e ignorar que
mordem teu pescoço
um bando de humanos toscos
fantasiados e arcadas dentárias postiças
queimassem no inferno e derreteria, antes,
aquilo com o que comem.
morreriam de fome os bastardos
filhos originais dos papais de suas próprias
entranhas freudianas
sê o barroco que não se estiliza
fazes em tua cara o êxtase
e ignora que
não se tem desconto nunca
sê no sertão o mar no qual ele não vai virar
fezes em tua cara e apesar disso
fazer da tua cara o êxtase
fazer do teu corpo um carcará
e ignorar que
não se tem desconto nunca
senta e come a fome
espalita os dentes
vomita e caga nada
morre de angústia da não gula
de quem não aprendeu a comer
sem modéstia nenhuma
a sobremesa que é ver o pau comer
espremer o quê
nunca
agrides a vida
como se um carcará
e ignora que
ninguém te alfabetizará os dentes
a mastigada
mas te imporão anseios
te quererão alma penada
mandíbula inútil