Três poemas de Marcelo Labes
Marcelo Labes nasceu em Blumenau-SC, em 1984. Autor de Falações [EdiFurb, 2008, poemas],Porque sim não é resposta [Antítese, Hemisfério Sul, 2015, poema], O filho da empregada [Antítese, Hemisfério Sul, 2016, poema] e Trapaça [Oito e Meio, 2016, poemas]. Participou da mostra Poesia Agora (edição carioca). Edita a revista O poema do poeta ( http://opoemadopoeta.wordpress.com ) onde publica originais manuscritos e processos de escrita de poetas e ficcionistas. Publica no blog http://mmlabes.blogspot.com e na página http://facebook.com/matematicaligraficamentira
[Foto de Luiza Melo]
***
se a guerra não estourar
nas próximas 72 horas então
poderemos dormir tranquilos
enquanto entupimos
o freezer com vegetais saudáveis
lavradores se suicidam
nos campos de fumo
trabalhadores agonizam
junto dos porcos nos
frigoríficos as crianças já
não sonham com as profissões
futuras porque entenderam
que se a guerra não estourar
nas próximas 72 horas
não poderá haver futuro
nem haverá.
*
o silêncio respeitoso
– é respeito ou nojo o que
se sente enquanto se
encara o morto?
o síndico sorri e diz
boa noite porque sabe
que devo dois boletos
seguidos do condomínio
as horas se encavalam
definitivamente o tempo para
entre o acidente
e a chegada da ambulância.
*
os anjos entoam cantos
os santos peidam-se pelos
cantos as virgens choram
choram choram
as crianças acéfalas não
conseguem compreender mas
acompanham mulheres
mortas ainda sangram
mortos de tiro e de trânsito
se acotovelam para olhar
de perto junto das vítimas
da talidomida
há cancerosos e azarados
há mutilados e estuprados
os corpos somam-se somam-se
são incontáveis são numerosos
há japoneses e ucranianos
há palestinos há tibetanos
é muita gente olhando o féretro
muito de perto
acendem velas e entoam hinos
perdem pedaços enquanto caminham
vão orgulhosos mais que quando
vivos depositar no terreiro divino
o corpo magro do deus morto.