Três poemas de Marosa di Giorgio traduzidos do espanhol por Camila I. Medail
Marosa di Giorgio nasceu em Salto, Uruguai, em 1934 e morreu em Montevideo em agosto de 2004. Sua extensa obra poética está compilada em Los Papeles Salvajes (editora Adriana Hidalgo), que reúne sua produção desde seu primer livro, Poemas (1953), até Diamelas a Clementina Médici (2000). De narrativa, escreveu o romance Reina Amelia (1999). Seus relatos eróticos estão reunidos no livro póstumo El Gran Ratón Dorado, el Gran Ratón de Lilas (editora El Cuenco de Plata). Seu último livro publicado em vida foi La flor de lis, acompanhado do CD Diadema, com leituras executadas pela própria poeta.
Os poemas aqui traduzidos estão presentes nos livros La flor de lis e Los papeles salvajes. “A filha do diabo se casa!” também está no CD Diadema.
Camila I. Medail é argentina, professora, revisora, leitora e curiosa. Bacharel e Licenciada em Letras pela Universidad de Buenos Aires (UBA). Há um ano que ela viaja pelas terras brasileiras.
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Minha alma é um vampiro grosso…
Minha alma é um vampiro grosso, amarronzado, aveludado.
Alimenta-se de muitas espécies e de uma só.
Procura-a pela noite, a encontra, e a bebe,
gota a gota, rubi por rubi.
Minha alma tem medo e tem audácia.
É uma boneca grande,
com cachos, vestido celeste.
Um beija-flor lhe trabalha o sexo.
Ela berra e chora.
E o pássaro não se detém.
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Mi alma es un vampiro grueso…
Mi alma es un vampiro grueso, granate, aterciopelado.
Se alimenta de muchas especies y de sólo una.
La busca en la noche, la encuentra, y se la bebe,
gota a gota, rubí por rubí.
Mi alma tiene miedo y tiene audacia.
Es una muñeca grande,
con rizos, vestido celeste.
Un picaflor le trabaja el sexo.
Ella brama y llora.
Y el pájaro no se detiene.
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A abóbora estava lá…
A abóbora estava lá, pesada, quieta. Parecia uma lua antiga e perfumada. A mesma de cem anos antes e nascida ontem. Os vaga-lumes rompiam a cada segundo o ar imortal.
Sai fumaça das duas casas. Da casa dele, com pontas avermelhadas; da minha, com torres negras. Era a hora dos pães e das lâmpadas. Às vezes, fugíamos de nossos pais – eu e ele, e de mãos dadas íamos através do ar escuro até o pé da horta, beijando-nos levemente, acima dos lábios.
A abóbora estava ali, toda dormida; mas, ao ver-nos, dava um salto.
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El zapallo estaba allá…
El zapallo estaba allá, pesado, quieto. Parecía una luna antigua y perfumada. El mismo de cien años antes y el nacido ayer. Las luciérnagas, rompían a cada segundo el aire inmortal.
Sale humo de las dos casas. De la de él, con picos rojos; de la mía, con torres negras. Era la hora de los panes y de la lámpara. A veces, nos huíamos de nuestro padres -él y yo, y tomados de las manos íbamos a través del aire oscuro hacia el pie del huerto, a besarnos levemente, arriba de los labios.
El zapallo estaba allí, dormido a todo; pero, al vernos, daba un salto.
*
A filha do diabo se casa!
A filha do diabo se casa. Não sabíamos se ir o não ir. Em casa resolveram não ir. Ela passeava com as tranças brilhando como um vidro ao sol. Vestido celeste. E os cascos delicadíssimos, cinzelados e de platina.
Com os olhos um pouco arredondados, insondáveis, parava em frente a cada um, como anunciando, convidando, ou, consciente e inconscientemente, ameaçando. A filha do diabo se casa. Fecharam as portas de minha casa. Passado o meio-dia resolvi fugir. Atravessei por cima dos jardins de frésias e junquilhos tentando não rasgar nem um dos ramos amarelos, dos que vivíamos; por calçadas ocultas; acho que fiz três vezes o mesmo caminho, me perdia, e tive medo que, da casa, estivessem espiando meu voo inútil.
Enfim toquei as portas dos fornos! Passavam pratos com todas as cenas do amor erótico. “Convidam com a Carne”, disse uma voz que parecia a de uma vizinha; olhei e, se era, estava amordaçada. E também serviam crianças não nascidas, cobertas de açúcar. “Que delícia”. O tum tum comemorativo surgiu no interior da terra e num perpétuo crescente, anulou as conversas e chegou ao cúmulo. A filha do diabo, de pé junto à parede, o cabelo igual ao sol, entreabriu o vestido, as pernas, os cascos. Seu hímen caiu quebrado (ouviu-se um leve berro) e correu como uma margarida entre nós. Alguém gritou: – E o noivo? –vai por ali. É pequeninho.
Fechei os olhos. Acho que caiu um aguaceiro. Fugi acima dos jardins, dos ramos amarelos; entrava em cada cova e saía apavorada. Entrei em minha casa. Mamãe estava fixa no mesmo lugar, fazendo o mesmo bordado. Sem levantar os olhos, comentou: – Mas, o que fazes? Andas pelo jardim nestes aguaceiros.
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¡La hija del diablo se casa!
La hija del diablo se casa. No sabíamos si ir o no ir. En casa resolvieron no ir. Ella paseaba con la trenza brillando como un vidrio al sol. Vestido celeste. Y las pezuñas delicadísimas, cinceladas y de platino.
Con los ojos un poco redondos, insondables, se paraba frente a cada uno, como publicitando, invitando, o, consciente e inconscientemente, amenazando. La hija del diablo se casa. Cerraron las puertas de mi casa. Pasado el mediodía resolví huir. Crucé por arriba de los jardines de fresias y junquillos tratando de no trozar ni uno de los ramos amarillos, de los que vivíamos; por ocultas veredas; creo que hice tres veces la misma senda, me perdía, y tuve miedo que, desde la casa, estuviesen espiando mi inútil vuelo.
¡Al fin toqué las puertas de los hornos! Pasaban platos con todas las escenas del amor erótico. “Invitan con la Carne”, dijo una voz que me pareció de una vecina; miré y, si era, estaba embozada. Y también servían niños no natos, cubiertos con azúcar. “Son riquísimos”. El tam tam celebratorio apareció adentro de la tierra y en un perpetuo crescendo, anuló las conversaciones y llegó al colmo. La hija del diablo, de pie junto a la pared, el pelo igual que el sol, entreabrió el vestido, las piernas, las pezuñas. Su himen cayó roto (se oyó un leve bramido) y corrió como una margarita entre nosotros. Alguien gritó: -¿Y el novio? -Se va por aquí. Es chiquitito.
Cerré los ojos. Creo que cayó un aguacero. Huí arriba de los jardines, de los ramos amarillos; entraba en cada cueva y salía aterrada. Entré en mi casa. Mamá estaba fija en el mismo lugar, haciendo el mismo encaje. Sin levantar los ojos, comentó: -Pero, ¿qué haces? Andas por el jardín con estos aguaceros.
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Marosa di Giorgio: