Três poemas de Pacha Ana
Pacha Ana é MC, cantora, compositora e poetisa mato-grossense, nascida em Rondonópolis e atualmente residente na capital, Cuiabá. Campeã mato-grossense de Slam por 2 anos consecutivos pelo Slam do Capim Xeroso, semifinalista do Slam BR 2017 e finalista em 2018. Também realiza um trabalho social com o Hip Hop e a poesia marginal, ensinando essa arte para crianças e jovens. Em 2018, lançou seu primeiro disco, Omo Oyá, que conta com poemas e músicas que relatam suas vivências enquanto mulher negra.
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Poema da Paz
Paz
Tá ai, algo que tem a imagem distorcida
O que é pra você, nem sempre é o que acontece na maioria das vidas
Relativo seria uma palavra muito fútil pra algo tão importante
Que dita o destino de uns, e pra outros é desconcertante
Paz pra poucos
Ausência dela pra outros
Minimização da necessidade
Uns querem ter, sendo que já têm
Outros buscam incessantemente, mas não têm tempo nem pra pegar o trem
Ego de meros mortais que não enxergam no espelho privilégios
Como lidar??
Uns querem paz dos patrões
Outros passando tudo em cartões
Débito
Crédito
Seria a paz, mérito?
Ela não visita certas casas, certos corpos
Balas acertam, fardas decretam alvos mortos
O símbolo é a pomba porque é isso que ela é, branca
Infelizmente
A paz é branca!
Paz pra mim é poder escrever poesia
Criança brincando livre no dia a dia
Paz é sorriso preto de um povo no gueto que se olha sem se enxergar suspeito
Paz é respeito
Não é ser silenciado
O que não deveria ser segredo
Afinal
Paz sem voz, nem é paz
É medo!!!!
*
Os meninos correm
Os meninos correm,
Os meninos correm almejando tudo,
almejando o mundo,
pensando que a pressa é a solução pra tudo,
mas não é não.
Eles correm por medo,
correm em segredo,
correm na contramão.
Os meninos correm por causa do atraso, correm pra não ser um fardo, e isso nem é um caso isolado.
Os meninos correm,
alguns porque gostam,
outros só porque precisam mesmo.
Inclusive, os meninos correm mas nem todos chegam mais cedo.
Aliás, alguns nem chegam.
Isso porque os meninos correm, mas a polícia também
e todo dia quando ele sai, a mãe pede amém
pra que nada, nem ninguém
tire o seu maior bem.
Ela reza:
“Oromi ma, oromi mayor, oromi mayor, iabado aiê iêo
Oromi ma, oromi mayor, oromi mayor, iabado aiê, iêo
Ai, ai oxum, ora iê
Ai, ai oxum, ora iê”
Isso porque os meninos correm,
mas se for de madrugada e ele for preto
ja é suspeito!
Parece que ser escuro é defeito.
Os meninos correm da bala, da vala, da farda,
COMO SE AINDA EXISTISSE SENZALA!
Se vive até os 21, é lucro.
Isso é culpa de um sistema fajuto,
onde alguns meninos correm e chegam,
outros, deixam mães em luto.
*
Há(tempo)ral
É preciso respeitar os tempos..
Tempos daqueles que ainda precisam dessa contagem “física” das horas,
dos dias,
semanas,
meses,
anos..
momentos!
É preciso respeitar.
É via de mão dupla mas tem intensidades diferentes pra caráter, personalidades, e almas distintas.
Uma moeda de cara e coroa,
vários pesos
inúmeras medidas.
É preciso respeitar os tempos!
O tempo que leva pra se curar de uma dor que parece ser incurável mas que todos insistem em apressar o processo, pular as etapas,
É necessário atravessar na faixa!
É preciso respeitar os tempos!
É contramão seguir na direção mais curta,
Não adianta tentar trapacear na disputa do esperar e aceitar, se acalmar pra não surtar, é preciso respirar!
Nesse caso, as colisões dizem respeito a altas velocidades.. de quem se esquece que é necessário respeitar os tempos, de verdade.
Porque os processos da alma levam tempo, e isso já é certo
E de tudo que temos, esse tempo é o menos incerto
Desde que o mundo é mundo, leva bilhões de anos pra formar algo concreto
E olha onde estamos? Tentando apressar e trazer o futuro pra mais perto..
Porque não ser mais espertos?
É preciso respeitar os tempos..
Os tempos que passaram, os de agora e os que ainda estão por vir.
É preciso!
Preciso como o ontem existiu, o hoje está sendo e o amanhã ainda vai surgir.
É preciso!
Como o relógio marca o tempo sem se perder, contando segundos, minutos, sem nem todo mundo entender, perceber, reconhecer ou merecer..
Tempo tempo tempo tempo tempo.. és um dos deuses mais lindos..
Tempo tempo tempo tempo tempo..
É preciso respeitar o tempo do outro pra não cair na armadilha do ego que deixa o ser humano cego,
surdo e mudo..
Não só por um segundo, mas por uma eternidade
E é vaidade
Diagnóstico em massa numa sociedade covarde.. que não respeita o tempo de cada um
Um por um
Se perdendo um a um..
Tempo que pra uns é irrisório e pra outros é torturante
As vezes é afago, ombro amigo, mas as vezes é cortante
O mesmo que acaricia, soluciona mas também confunde.. num mesmo instante!
Tempo que é amor, mas também ausência
Que ameniza a raiva, mas as vezes aumenta a carência
Que molha a terra, mas também seca a essência
Que ajuda e machuca, com a mesma frequência
Tempo que fala alto e ecoa longe
Espera pacientemente como monge
Não desespera, não apavora, é igual deixar acontecer naturalmente pra não ver ninguém chorar
Mesmo que chorar as vezes seja sinônimo de aliviar
É preciso respeitar os tempos
Aqueles das feridas não cicatrizadas
Dos desamores e das traições
Do ego ferido e dos cacos de vidro nos corações
É preciso respeitar os tempos
Das idas e vindas
Das curvas
Das retas
Das voltas do mundo!
É preciso respeitar os tempos
O meu, o seu, os nossos..
Tempos de paz e de guerra,
Respeitar!
Que é a unica coisa atemporal nessa terra!