Três poemas de Pedro Köberle
Pedro Köberle escreve e traduz poemas. Também pesquisa e traduz Wallace Stevens no Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP.
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Três Poemas Domésticos
Polpa, Dentina e Esmalte
Querer cair do ramo ainda verde
é um desejo de folhas que assim
resistem ao frágil das securas de toda sorte.
Cidades eles ergueram semeando dente,
brotam Polpa, Dentina e Esmalte;
que balançam espadas de marfim,
dentes fazendo raízes, tendões,
regem a ossificação das molezas do meu jardim.
Quem quer que faça as voltas num país secreto,
esperando a porta abrir, suspirando três vezes:
Procurando um dente meu
entre suas escovas e cremes.
*
Da Filigrana Como Fórmula Construtiva
Me proibiram, cedo
de acreditar nos dias pequenos
(culpar a fome de tamanho
que tanto nos assola culpar
a consciência hiperkantiana
do meu avô)
os dias pequenos fazem conchas
chifres ocos aninhando os decibéis
imantados
reiterando as ondas no cálcio polido
da casa de molusco fermentando
os timbres dos dias pequenos,
mansos que só
*
Os Prados
O escape quase valvulado, sonoro,
dos búfalos resfolegando, consentindo
ao espetáculo mudo do fim da tarde
findo o dia de muito vento, poeira
parecendo ferrugem no ar.
Tenho levantado tarde, depois de acordar cedo,
preso na cama pelo imperativo de assistir
os campos extensos e distâncias de pasto
vagarem-se, aos poucos, da inquilina a bruma.
Uma garça pega carona nas costas de um boi
antes de juntar-se às demais, envolvida,
finalmente, em qualquer conspiração das garças.
Um vento que viesse me dizer que pouco vale
tanto poema de pasto, já que a terra mesmo
recusa a moralização da símile e mais,
os caprichos meditabundos da descrição.
Uma só estrela, ou ela em particular,
que não me incomoda a ponto de
me fazer querer saber-lhe o nome
aparece impossível, enorme e amarelada,
conforme os carneiros que eu pensava em contar
encostam as armas no portão de casa.
Que foi, aliás, de um filósofo famoso, do tempo
em que os dois predicados não formavam paradoxo.
Chará de Espinosa, perguntaria tanto a você
se soubesse, ainda moleque, que você vigiava
os sustos do especulativo. Era mais
que o desprezo mal-velado da minha vó
cuspindo “filósofo!”
Faz doze anos que você está morto mas
fazendo a cama, encontro debaixo do estrado,
não sem embaraço, um vestígio seu
num litro e meio de cachaça.