Dois poemas de Raissa Correia Pedroso
Raissa Correia Pedroso tem 21 anos e nasceu em Ubatuba, litoral norte de São Paulo. Atualmente mora na cidade de São Paulo, onde estuda Letras. Escreve para se confessar.
O poema “Para Alina” é inspirado em “Für Alina”, composta por Arvo Pärt para uma mãe que foi separada da filha pela Cortina de Ferro.
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A mulher samaritana
fui abandonada no deserto da fragilidade plena
na secura dos meus lábios nasceu uma fonte
lá deixei o meu cântaro
como quem aguarda o milagre
no entanto a água não se multiplicou
e com ela a idade do mundo guardou a minha
prece
então me contentei com as ruínas da cidade
para anunciar o teu nome
e tu me respondeste
“abençoada seja a tua sede
e teu poço jamais ficará vazio”
*
Para Alina
sei que toda a tua alegria está distante de mim e considerar a tua ausência é dispor do meu corpo inteiro a tarde que se alastra na tua juventude
amo-te na ideia de criança nascida nos curtos desejos do silêncio
que carregarás uma vida tão crua quanto a minha, mas nenhum dos dias me darão sinal do quente das tuas veias
e imaginarei que todos os joelhos dobrados desejarão presenciar o milagre dos pássaros
enquanto brincas de voar com tuas mãozinhas pequenas
mas onde tudo tocas é santo,
os meus olhos
o meu choro, em segredo
e contudo o jarro que deixaste em cima da mesa jamais conheceu outro posto
agora o meu ventre também é este sítio desabitado onde a terra se assenta
mas carrego nos olhos a promessa dos teus passos corridos no alto das colinas
as tuas lágrimas como diamantes dispostos no seio do firmamento
quando te olhei primeiro e disse “és uma mulher
cairão sobre ti os símbolos das gerações passadas”
e cantei contigo a tua primeira melodia
de flor ferida
atirada na própria miséria
eu te amo, eu te amo, e te diria todas as noites que
nos meus braços estão a altura da consolação
das tuas dores
enquanto continuas sendo o único acontecimento do meu corpo, antes das palavras
em cada estação não serás mais a mesma
morreremos também longe
e nada fica na alma além da lembrança termos descido como um raio
no destino das mulheres
e estaremos sozinhas e não saberemos em que país
descobriremos a voz que nos encerra
mas a tua voz me edifica
e o silêncio é um espaço vazio que deixaste no quarto até a cozinha,
a penteadeira bagunçada
até o limo nos vestidos mal costurados
filha minha, és uma prece?
queimarei todas as noites as estrelas como velas acesas
para que seja piedoso aquele que a saudade sustenta
porque o coração inteiro é um ruído
e nele cabe por nós o nosso próprio ninho
como um rouxinol que trabalha uma tarde inteira
responsável pela paisagem
mais uma vez será preciso cruzar os olhos
na superfície do tempo
amo-te com o amor de todas as ilhas do mundo
mas basta-me somente uma pátria
para contemplar de volta o teu nome
Vitória Luz
Lindo!!! POemas singelos e ProFundOs!