Três poemas de Serena Franco
Serena Franco tem 19 anos e nasceu em Brasília. É desenhista retratista, mas, na vida, realmente só quer ser escritora. Começou a escrever poemas aos 16 anos e aos 18 publicou seu primeiro livro O porquê dos abismos profundos. Também já colaborou em revistas literárias, entre elas Mallarmargens, Ruído Manifesto, Subversa e Literatura & Fechadura. Estudava Direito no Centro Universitário de Brasília, mas largou o curso e agora pretende estudar Letras na Universidade de Buenos Aires.
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porque o quarto está em chamas
e meu coração ladra como um cão velho
e há aqueles homens, aqueles tantos homens
eles que me ensinaram o terror
e já não sei parar
escrevo longas cartas madrugada adentro
palavras que serão linhas que encherão cadernos
que se tornarão livros, que sim,
falarão sobre a beleza
antes disso não há jeito
-só os mortos possuem paz, querida
assinou minha vó no testamento
de noite os galhos em minha janela arranham os vidros como pinturas primitivas
agora fecho forte os olhos
(anoitecer, eu sei tão bem o que significa )
minhas pupilas brilham como pedras
eu as sigo como pegadas de volta
em direção ao nascimento
como uma criança eu compreendo tudo que quer dizer início
ontem deixei o freezer aberto
para que congelasse o tempo da casa
já tenho todas as palavras horríveis essa hora
escrevo com a devoção da minha vida ao erro
uma predileção maravilhosa ao perigo
à minha janela eu risco um fósforo ,
farei vir um nascer do sol violento
quem é capaz de me ver?
estou tão ilúcida, estou dançando
dançando como uma incendiária
*
há esse cedro frondoso no caminho
minha insensatez te assusta
porque tamanha fuga?
eu estudava a geografia
uma árvore tão grande esquecida em meio à paisagem
sem dúvida mais uma piada dos fazedores de mundo
com as luzes apagadas não podia ver nada
mas podia ver o escuro
as coisas distantes gritavam venha
eu gritava venha
o rito doloroso de sempre chamar-te
um suplício tão violento
todos os pássaros se vertiam em cadeias num só formato
e eu era apenas mortal e morria em beleza
seu nome era a mensagem cósmica
que viria salvar-me
mas você nada dizia
fazia de seu silêncio meu catecismo
e o vivia aos poucos
uma oração feita puramente de sangue
sim, eu ia até ti com tropeços de um garoto
sim, eu desejei começar a crer em algo
e você escondido entre os galhos
eu podia jurar que tinha a cor do fogo
*
é disso que se trata o mistério
todas plantas adormecem
o ar se estende, ganhando o formato de coisas duras
Um profundo desencanto
-por aqui não se escuta falar em piedade
é tão infeliz, que mal se pode crer
reparte a dor, para que cresça
“lembre-se”
mergulhar, vez ou outra , é necessário
(nascer, despencar….) imitar a Grande Natureza
depois das árvores (latas de cerveja, um deus demasiado bêbado)
“toda a destruição está dentro de ti”
-entoa
pode, em seus ovos, guardar um planeta prematuro
ou quando erguer a boca, engolir até o sol)
a primeira hora? também a última?
-é disso que se trata o mistério
“se formos muito rápido, é realmente difícil ver”
lhe disse
a decomposição de cada átomo
os anjos, os grilos cantando
as formigas reerguendo o mundo, cada noite…
Elias Borges de Campos
“as formigas reerguendo o mundo, cada noite…”
isso atravessa a alma…