Três poemas de Sinuhe LP
Sinuhe LP nasceu em Bauru, interior de São Paulo, em 1996. É escritor, compositor e entusiasta da Comunicação. Estudou Midialogia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em 2018, lançou seu primeiro livro de poesia visual, o Manual do olho (Editora Urutau). Aventura-se e tem gosto pelos palcos, páginas e telas.
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beijo meio-dia
naquele sol de rachar mamona
todos os senões foram desconvidados
ao meio dia, em cima do pontilhão
um casal de namorados, sentados
em um banco de puro concreto
sujo, como quem sobreviveu à noite
do caos urbano dos ônibus lotados
cheios de gente agitada
ambos estão de mãos dadas
esse pombismo moderno
que não envelhece nunca
e assim badalam-se 12 horas
estão bem próximos e no calor
aquele do suor escorrendo às costas
que gruda a camiseta ao corpo
dão um beijo gostoso
um beijo com vontade
aquela vontade guardada
eu quero te beijar você também
então me beijamos muito
um verdadeiro beijão
aquele que te tasca a língua
e te envolve engole como
inveja quem passa perto
como pode alguém beijar
nesse sol infernal insuportável
a boca seca, a saliva seca!
mas a língua é insaciável
falou: meta a língua meta língua metalíngua
e o poema falou mais do poema
a sua língua: fala e beija
que músculo predileto!
*
ex-inédito
há quem diga que nunca perdeu o halo fino
pois confesso, hoje eu sou ex-inédito
já perdi minha áurea, encanto ou qualquer vislumbre
e seria viver demais em uma baleia jonasoica
por acreditar que poderia ser
visto pela primeira vez novamente
à primeira vista imagina-se na inocência que
enquanto houver encanto tudo haverá
balela: não somos Midas para tornar tudo ouro outra vez
o ouro tem única aparição: bato o olho e vejo e pronto
pronto, foi-se o estranhamento primoroso da primeira vez
depois disso tudo o que vem é ex-inédito
a mesmice, e se torna cauteloso aquele que
diante do seu ex-ineditismo tenta virar vitrine de inovação
engana-se o ex-inédito que busca a originalidade
não posso ser novo de novo, se o novo que já fui já era
já foi: eu olhei o sol e vi nele um olho único que já viu de tudo
o mesmo olho, o mesmo sol: cansado, comum
hoje eu também quero ser comum
vou ser reprodutibilizado à quanta sem esmeros
e deixo o extraordinarismo para os novos, os prematuros
minha marca não significa mais nada e quem me vir há de negá-la
viva o de novo!
nada de novo sob o sol: eu continuo nadando
*
olhos que molham
meus olhos se não vidraças
fitam sob a força das pálpebras
fui conter uma tempestade, eu não choro
nessa idade qualquer coisa
vira: terremoto
são: meus olhos que molham
seus olhos alfinetes afiados
me estouram estragam atravessam
à prova de falas: os óculos escuros
para proteger-me da justiça,
do: marulho
são: seus olhos que molham
se restam 8 sobram 4 restam 2 e fica 1
todo ciclope só tem olho
para um único
: 1
e mais: ninguém
e mais: nenhum
não há mormaço ou amor comum
para suspender a ação do olho: nu
cortinas fechadas, a luz é oração
+ ou menos olhos, sobram molham
e
vão: nossos olhos se molham
e
são.