Três tipos de coragem – Por Aline Wendpap
Na coluna mensal “Sonora” (clique aqui para acessar todos os textos da coluna), Aline Wendpap escreve sobre cinema e audiovisual, dedicando-se principalmente a tessitura de textos críticos, com ênfase na produção mato-grossense, nacional ou ainda latino-americana. O título da coluna visa brincar com a palavra, que tanto é ruído, quanto pode ser uma conversa ou um som bacana. Não deixa de ser uma homenagem ao som, característica vigorosa do cinema, além de se parecer foneticamente com Serena, nome de sua bebê. A coluna irá ao ar sempre no último domingo do mês.
Aline Wendpap é cuiabana “de tchapa e cruz”, nascida em 1983. Primeira Doutora em Estudos de Cultura Contemporânea pelo PPGECCO da UFMT, Mestre em Educação pela mesma Universidade, Bacharel em Comunicação Social – Habilitação: Radialismo (UFMT), integrou o Parágrafo Cerrado, coletivo dedicado a leituras de cenas de espetáculos. É autora do livro A Televisão sob olhar das crianças cuiabanas (2008, EdUFMT).
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Três tipos de coragem
(Três tipos de medo, 20”, Bruno Bini, MT, Brasil, 2016)
Como forma de emanar boas energias, prestar minha solidariedade e homenagear Bruno Bini, diretor cuiabano e aquariano, que faz aniversário no mesmo dia (03/02) desta que vos escreve – internado na UTI de um hospital de Cuiabá, com problemas respiratórios e suspeita de Corona vírus, pois retornou recentemente de uma turnê pela Europa, onde estava divulgando Loop, seu filme mais recente – escrevo hoje sobre outro filme dele, Três tipos de medo, premiado em mais de 10 festivais, exibido pela TV pública, porém sem muitos comentários ou textos críticos escritos por aqui.
Ímpar, como os demais trabalhos de Bruno, este curta é fruto da percepção aguçada e olhar cinematográfico dele, para o cotidiano urbano e violento de Cuiabá. Já que foram as notícias a respeito da prisão do traficante “Sapinho”, e a mobilização popular para pagar um advogado e liberá-lo, que inspiraram a construção do roteiro, também assinado por Bini. Um fato importante, e que chamou atenção do cineasta, foi a classificação do bandido como “justiceiro do crime” pela população do bairro Novo Colorado em Cuiabá, que não se sentia protegia pela Polícia Militar. Já aqui é possível imaginar um diálogo com Tropa de Elite, como escreveu alguém em um comentário sobre o curta na internet.
A expressão “Três tipos de medo”, utilizada por vezes em tom humorístico, dá título à obra e, dentro do contexto da narrativa, desvela as tensões dos três personagens, que fazem a perfeita triangulação da história. Dona Antônia (Juçara Nacioli), avó, que por temer pela vida do neto Clayton (Pedro Lafoz), que estuda à noite, mobiliza a comunidade para levantar recursos e providenciar a soltura do traficante “Sapinho”, defensor da “paz” na comunidade. Leonardo (Giovani Araújo), advogado que, ao ser procurado por vó Antônia, encara o dilema entre aceitar ou não a causa, visto que está prestes a se tornar pai (e precisa do dinheiro), mas ao mesmo tempo se depara com sérios riscos, além de dilema ético. E Roberto (Romeu Benedicto), policial, que motivado pela raiva devido a morte do filho, prende “Sapinho” na tentativa de fazer justiça com as próprias mãos. Ele e sua esposa (Mazé Oliveira) vivem a tensão com o risco que esta prisão, um tanto quanto arbitrária, de um traficante tão poderoso traz.
O trabalho com os atores foi intenso, provocando interpretações realistas, como a de Jonathan Haagensen, eletrizantes como a de Romeu Benedicto, bem construídas e premiadas, como a de Giovani Araújo (um dos atores mais vistos em filmes de Bini), que saiu vencedor nas mostras Catarinense e Mercosul de 2016. Tocantes como a de Mazé Oliveira, que mesmo aparecendo pouco, transmite toda a dor de uma mãe que perdeu o filho e preocupa-se com o destino do marido, ou ainda, emocionantes como a de Juçara Nacioli, que, com seu personagem, faz um mix de força e ternura para conseguir salvaguardar o neto. Inclusive, uma das cenas mais belas desta produção é o momento em que ela canta para acalentar a tensão estabelecida anteriormente, detalhe que a canção foi criada por ela de improviso, no set.
A direção é bem conduzida, assim como a edição (também feita por Bruno Bini), que intercala cenas alucinantes, como a da perseguição inicial com cenas meigas como as do casal acompanhando a gravidez. Tudo isso converge para prender a atenção do espectador do início ao fim.
O cenário, juntamente com o figurino de Bárbara Rosa constroem as atmosferas, tanto de tensão e violência, quanto os de vida privada. O que demonstra todo o trabalho e dedicação da diretora de arte Carol Araújo e sem dúvida da produtora Keiko Okamura.
Dito tudo isso sobre os aspectos técnicos do curta, é uma pena que poucos cuiabanos conheçam a vitalidade e força do cinema e audiovisual mato-grossense. No entanto, ele (o cinema/audiovisual) tem o mérito de ser detentor de no mínimo três tipos de coragem: a coragem de criar a partir do nada (esta produção mesmo contou com recursos do próprio cineasta para ser concluída), a coragem de continuar (mesmo com os cortes, a falta de incentivo, de público e de difusão) e a coragem de ser diferente e particular (não se rendendo ao que é feito por aí). Como Bruno é cineasta que compartilha destes três tipos de coragem, logo elas o moverão para os sets! #forçabruno.
Joilson francon
Força audiovisual matorossense, força Bruno Bini! Que delícia é ler os textos de Aline Wendpap “temperado” com seu olhar E REFLEXÕES aguçadoS aos detalhes da produção cinematográfica,, ao panorama do audiovisial brasileiro e mundial e provocações aos amantes, entusiastas e apreciadores de filMES. QUERO MAIS INDICAÇÕES! PARABÉNS!