Três poemas de Valeska Brinkmann
Valeska Brinkmann nasceu em Santos, 1972. Estudou Rádio e TV na FAAP (SP). Escreve histórias para crianças, contos e poemas. Publicou, na Alemanha em 2016, o livro infantil bilíngue Pedrina- a perua que queria ser pavão pela editora Bübül Verlag Berlin, tem textos em antologias na Alemanha, Brasil e Portugal, e também em sites literários como Stadtsprache Magazin, Literaturabr, Escamandro (traduções). É integrante do coletivo GLENSE (Guerrilha Literária Espontânea na Sala de Estar). Trabalha na emissora de Rádio e TV pública de Berlim, onde vive há quase vinte anos.
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Herta M.
Herta M. escreveu que o ditador
tinha um topete
eu odeio ditador ainda mais com topete
esse topete olhava o país todo todos os dias
ela falou da poeira das ruas e de blocos residenciais
e eu estava ali também
nos prédios de chapa ondulada
onde acordei sonâmbula
na noite que se rasgou
O presidente atual tem cabelo liso ensebado e pele
seca esturricada e uma boca caverna onde saem palavras imundas
Herta M. escreveu que o medo é uma lagarta
se fingindo de morta.
*
Esperando o trem
esperando uma carta
uma inspiração
um bilhete de amor
o email do editor
esperando o verão
esperando ter tempo
e correr contra o vento
esperando passar a dor de cabeça
esperando justiça
esperando o mandato de 4 anos
ou o capitão entrar pelos canos
esperando lutar
e poder ajudar
esperando despoluir um pouco o ar
esperando descongelar
esperando o sol
para os óculos escuros
esperando que os frutos estejam maduros
esperando a amiga
com paciência de formiga
esperando baixar o preço da passagem
e fazer a tão sonhada viagem
esperando dar a hora de sair
esperando essa ideia evoluir
esperando as coisas melhorarem
se as coisas de vez não piorarem
esperando o mês que vem
esperando nem sei quem
esperando sentada
de pé e deitada
cansada de tanto esperar,
no entanto não faço outra coisa.
*
O coração dispara
o coração dispara
medo de ser pega fazendo coisa proibida
tinha a chave do apartamento
por isso entrei
vejo tudo coberto de poeira
o sofá forrado com um lençol velho
estou me metendo onde
não fui chamada
abro os armários vazios cheirando a mofo
na gaveta da mesinha uma foto desbotada
de você com seu filho
na mesa grande uma carta da imobiliária
avisando o aumento do aluguel
paredes amareladas que me dão angústia
algo se mexe no chão da sala
vejo dois ratos a comer restos
de pêssegos apodrecidos
dentro de um embrulho de jornal
o grito se abafa no meu peito.
Ouço passos do lado de fora
barulho de chaves
meu coração dispara.