Um ciclo de poemas de Luana Claro
Luana Claro nasceu no outono de 1994. Graduou-se em Letras pela Universidade de São Paulo. Em 2017, publicou seu primeiro livro de poemas e ilustrações, Diadorim, pela Editora Patuá. Em 2020, foi selecionada para publicação de um livro de poemas e colagens, Construção, por um edital da Editora Urutau. Foi aluna do curso Poesia Expandida da Casa das Rosas nesse mesmo ano. Publicou poemas em diversas revistas, como Mallarmargens, Ruído Manifesto e Opiniães.
O ciclo de seis poemas abaixo é inédito.
***
Anuário
falar dos falecimentos
e dos acidentes
sobretudos dos falecimentos
que são resultado dos acidentes
graves
o inverso pouco interessa
*
certamente o conhecimento prévio
poderia nos salvar desse
ou daquele acidente
naquele ano nenhum avião grande
caiu na cidade ou no país
o toninho sofreu um acidente de carro
por sorte nada lhe aconteceu
tão somente por sorte
embora houvesse conhecimento prévio
do risco
a filha do português enlouqueceu
uma grande tragédia
mas não um acidente
seus gritos ecoavam pela rua
enquanto seu cérebro era comprimido
de dentro para mais adentro
mais do que um acidente
má sorte
e para esse mal não há mesmo
conhecimento prévio que preste
*
nem todo acidente é simultaneamente má sorte
nem toda má sorte é simultaneamente acidente
existem acidentes
que não passam de uma questão de perspectiva,
graças a deus
já a má sorte é unívoca, por azar
*
naquele ano houve certamente
acidente de toda sorte
a maior parte deles figurava
nas fotografias tiradas por roberto
que trabalhava na perícia
do estado de são paulo
amigo de arnaldo
que principiava alguma-coisa-de-acidente
na impossibilidade de palavra melhor
roberto recebeu um convite
que fotografasse o casamento de arnaldo
que não chegava a parecer uma tragédia
naquele ano
ainda
apesar do conhecimento prévio
que se tinha a respeito dos fatos
se alguém dissesse a arnaldo que ele
pouco tempo depois disso estaria
embaixo de um ônibus
pela morte de seu primeiro filho nascido
a motocicleta marcada pela dureza do asfalto
ele não acreditaria
na potência dessa alguma-coisa-de-acidente
embora esses acontecimentos não pudessem
ser organizados em causa e consequência
e lá se vão os anos
marcados pela dureza do tempo
e alguma má sorte
mas naquele ano estavam todos na festa
de casamento do arnaldo
e o fotógrafo de acidentes a procurar
o que poderia ser uma questão
de acidente ou perspectiva
ou quem sabe sorte
*
naquele ano morreu clara nunes,
após muitos dias em coma
*
o ofício de roberto se assemelha
à montagem de um anuário
capturar do acidente
o que sobra do acidente
do ano
o que sobra do ano
e lá se vão os dias