Um conto de Agnaldo Rodrigues da Silva
Agnaldo Rodrigues da Silva é Professor-Adjunto na Universidade do Estado de Mato Grosso e membro da Academia Mato-Grossense de Letras/Brasil. Autor de criação literária (contos), publicou os livros A penumbra – contos de introspecção (2004), Mente insana (2008) e Dose de cicuta (2011). Na crítica literária, publicou O futurismo e o teatro (2003), Projeção de mitos e construção histórica no teatro trágico (2008), O teatro mato-grossense: história, crítica e textos (2010), Escritos culturais: literatura, arte e movimento (2013), para além de obras em co-autoria, destacando-se Nas entrelinhas do texto (2012), Esse entre-lugar da literatura: concepção estética e fronteiras (2013), Diálogo entre literatura e outras artes (2014), Entre letras e memórias (2014), Do texto à cena – entre o teatro grego e o moderno teatro brasileiro (2014), Plínio Marcos – o signo de um tempo mal (2016), Trajectórias Culturais nas Ilhas do Equador (2018), entre muitas outras obras.
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O DÉCIMO TERCEIRO ANDAR
Sempre que passava pela porta do apartamento ouvia ruídos estranhos. Nunca tinha visto quem ali morava, fazia mais de ano que já lá estava, contudo aquele apartamento sempre estivera fechado, as janelas acortinadas, as luzes apagadas. Às vezes, muito raramente, sempre em altas horas da madrugada as luzes apareciam acesas, envolvendo tudo ainda mais em escaldante mistério.
Naquele dia, ouviu suspiros longos e carregados, enquanto passava pela frente da porta. Aproximou, tocou na maçaneta, a porta abriu. Fez o barulho incomodante que toda porta faz quando abre, um rugido que, quando se trata de coisas misteriosas, aumenta ainda mais a tensão. Jorrou olhares para dentro e nada viu, apenas o sussurrar que quase chegava a gemidos.
Entrou.
Viu quadros pintados em óleo sobre tela. Uns retratavam Calígula, outros Nero. Sobre a escrivaninha um jarro de flores. Havia também uma estatueta de Afrodite e outra de Eros, ambas jogadas no canto da sala. Pensou em retroceder, porém sentiu que não era isso que queria. Percebeu um clarão proveniente do quarto, esticou o pescoço, era uma vela acesa à cabeceira da cama. Caminhou lentamente até penetrar no espaço, depois se deitou e começou a soltar suspiros pesados e longos. O coração batia mais forte. Aumentou os suspiros até que alcançou os gemidos. Gemia ofegante. Os vizinhos que por ali passavam desconfiavam de que aquela mente fraca aproximava-se, gradativamente, da inconsciência da vida.
Depois apagou a vela com sopros loucos. Soltou duas tiras de choro. Sentiu que mesmo na própria imaginação nunca poderia suprir os buracos da solidão. Atiçou o crânio duas vezes consecutivas contra a parede, sentiu imensa dor, um fio de sangue escorreu-lhe pela fronte, também sentiu um líquido frio a arrepiar-lhe a nuca. Passou a mão, era a substância coagulada. Pegou a estatueta de Afrodite e meteu contra a parede: Prostituta! Em seguida, alcançou a de Eros, despejou álcool e ateou fogo: Vadio! Tinha se vingado, sentia imensa realização. Retirou os quadros de Nero e Calígula, depositou num saco de lixo: Depravados!
Riu-se a noite toda.
O dia estava a raiar, quando pensou em dormir. Precisava estar disposto para logo mais, à noite, interpretar mais uma vez o papel do vizinho do décimo terceiro andar.
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Conto originalmente publicado in: SILVA, Agnaldo Rodrigues. Mente insana. São Paulo: Arte e Ciência, 2008.